Devido a seus mais de 25 anos de
experiência em sistemas de saúde, o pediatra brasileiro Mário Dal
Poz foi convidado para assumir a vaga de Coordenador de Recursos
Humanos da Organização Mundial de Saúde, em Genebra. Mestre em
Medicina Social, com foco em modelos de desenvolvimento de saúde no
contexto de urbanização no Brasil, e PhD em Saúde Pública, com a
elaboração de novas metodologias para análise política de recursos
humanos para desenvolvimento da saúde, Dal Poz fará a conferência O
Papel da Liderança na Promoção da Acreditação para Melhorar a
Qualidade do Cuidado ao Paciente, no Congresso Internacional de
Acreditação.
Com mais de 60 artigos publicados em peer-review e periódicos
especializados, seis livros e contribuição em mais de dez capítulos
de livros na área de recursos humanos para saúde, o médico falou ao
Consórcio Brasileiro de Acreditação (CBA) sobre as carências em
Recursos Humanos em Saúde.
CBA - Estudo da OMS já detectou que há carência de
profissionais de saúde no mundo. Como reverter esse problema?
Mario Dal Poz – O Relatório Mundial da Saúde produzido pela
OMS, em 2006, registrou que 57 países tinham uma escassez crítica
de pessoal de saúde, com maior concentração nos países de África.
Hoje, com base no sistema de vigilância global da força de trabalho
em saúde montado pela OMS, pode-se dizer que esses países estão
apresentando progresso, embora a um ritmo muito lento e variado. Os
dados do Atlas Global da Força de Trabalho em Saúde mostram que os
números estão melhorando.
Alguns países, como Butão, RCA, Serra Leoa estão muito lentos nesse
progresso enquanto outros, como Indonésia, Índia, El Salvador,
estão fazendo um progresso constante, o que pode ser visto também
no progresso nos indicadores que integram as metas do milênio. Esta
é a conclusão positiva. No entanto, maiores esforços em
investimentos nacionais, regionais e globais são necessários para
superar essa crise. Então é provável que veremos alguns países sair
da crise e em seguida, a grande questão será como mantê-los fora da
crise.
A grande dificuldade ainda é o baixo nível do investimento na área
de recursos humanos em saúde, seja na expansão ou melhoria das
instituições de ensino, como as escolas médicas e de enfermagem,
seja na expansão ou melhoria das condições de trabalho para o
conjunto dos trabalhadores de saúde, especialmente naqueles países
que apresentam os piores indicadores de cobertura por serviços de
saúde.
CBA – Qual o novo papel do médico frente às novas
necessidades da saúde?
M.D.P. – Num sistema de saúde, onde o objetivo principal
deve ser a melhoria da saúde da população, os médicos devem
desempenhar o importante papel de mediador da aplicação do
conhecimento para melhorar a saúde.
Como muitos autores sugerem, se a cobertura e a densidade de
profissionais de saúde têm um efeito direto sobre a saúde das
populações, os médicos, como prestadores de serviços, podem ter o
papel de interconectar pessoas, tecnologia, informações e
conhecimento. Eles também têm responsabilidade, como comunicadores
e educadores, gestores e decisores políticos.
CBA – Qual a importância da acreditação na formação dos
profissionais da saúde e também para a melhoria da qualidade e da
efetividade na prestação de serviços de saúde?
M.D.P. – A formação médica está fazendo ou precisa fazer uma
transição de um foco no ensino para um foco na aprendizagem. Ao
fazer isso, estudantes e instituições podem ser consideradas
responsáveis por aumentar os seus resultados.
Para os alunos, isso significa que demonstrem competências
específicas, a fim de graduação das escolas médicas e programas de
residência médica. Para as instituições, isso significa identificar
maneiras de demonstrar que seus produtos (a presença de estudantes)
têm essas competências.
Processos de acreditação podem ajudar que as escolas, e não apenas
os estudantes, sejam responsabilizados pelos seus resultados.
Resultados escolares de melhor nível podem contribuir para reformar
os sistemas educacionais, fornecendo evidências para a eficácia dos
investimentos educacionais e demonstrar que a graduação de uma
escola ciências da saúde certificada ou acreditada é uma garantia
de qualidade da força de trabalho em saúde.
CBA – Alguns estudos mostram que muitos programas de
formação e educação profissional em saúde são bastante limitados na
sua concepção e mesmo desatualizados. Que comentários pode fazer a
respeito?
M.D.P. – Passados cem anos das reformas de base científica
na educação médica provocadas pelo Relatório Flexner e algumas
décadas depois dos avanços com base no programa aprendizagem
baseado em problemas (PBL, em inglês), o maior desafio, segundo
análise de vários pesquisadores, é a dissociação entre as
habilidades e competências dos médicos com as habilidades
requeridas (necessárias) pelos usuários de serviços de saúde.
Esse descompasso gera distorções no mercado de trabalho em saúde
que aflige todos os países. A solução proposta é vincular o sistema
de educação mais estreitamente com o sistema de saúde através de
uma estreita coordenação e colaboração entre as áreas de saúde e
educação, bem como trazer o envolvimento dos diferentes atores
interessados, como os grupos profissionais articulados nos
conselhos e associações.
No campo específico da educação, parece importante desenvolver de
forma sistemática a formação e o trabalho em equipe, atualmente
essencial para a eficácia do sistema de saúde.
Na área de recursos humanos em saúde não há soluções mágicas,
rápidas ou que possam ser generalizadas para qualquer contexto. A
OMS procura contribuir através do desenvolvimento e avaliação de
boas práticas, em parceria com outras agências e instituições de
cooperação regionais e nacionais. Nesse conjunto de intervenções se
destacam os esforços para a melhoria da base de dados sobre
informação do pessoal de saúde (força de trabalho em saúde) nos
níveis nacional, regional e internacional: Os países com crise
severa nos recursos humanos em saúde têm grandes desafios para
tomar decisões de política de saúde, dada a fragmentação de seus
dados e fontes sobre os recursos humanos. Assim, um papel
importante da OMS no campo dos recursos humanos em saúde é o de
facilitar a transferência de conhecimentos, de melhorar a
capacidade técnica para a estruturação de sistemas de saúde.
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