Para o presidente da CNseg, alinhamento da cultura de seguros com questões mais prementes da sustentabilidade favorecerá a economia do país
O setor de seguros tem indiscutível vocação para tornar-se um dos protagonistas do emergente mercado da sustentabilidade, cujos modelos regulatórios, em todo o mundo, ainda são adaptados para uma realidade marcada pela evolução de profundas e tortuosas transformações climáticas. Esse cenário foi uma das pautas debatidas durante o II Encontro de Sustentabilidade e Inovação do Setor de Seguros, realizado nesta quinta-feira (8), pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).
O encontro foi oficialmente aberto pelo presidente da CNseg, Marcio Serôa de Araujo Coriolano, para o qual o debate sobre sustentabilidade está além das questões ambientais mais sensíveis da atualidade. O setor de seguros está consciente desse contexto, e vem, como aponta a 2ª edição do Relatório de Sustentabilidade do Setor de Seguros, produzido pela CNseg, engendrando esforços para manter-se resiliente diante das questões ambientais, sociais e de governança corporativa (ASG). “O mercado segurador está consciente sobre a importância de práticas sustentáveis”, ressalta o presidente da CNseg.
Para Coriolano, a educação em seguros difundida pela CNseg tem como missão orientar a sociedade para a prevenção de riscos. O alinhamento da implantação dessa cultura com as questões mais prementes da sustentabilidade favorecerá a economia do país. Acompanhando essa premissa, a CNseg criou, em 2016, uma comissão, a de Sustentabilidade e Inovação, para tratar do tema e desenvolver relatórios anuais, nos quais mostra como o setor emprega soluções para sustentabilidade. Trinta seguradoras responderam ao relatório setorial divulgado durante o encontro. Juntas, as companhias correspondem a 84% em arrecadação das empresas associadas às Federações que integram a CNseg.
O auditório da Confederação recebeu, aproximadamente, 100 pessoas e contou com as presenças do superintendente da Susep, Joaquim Mendanha de Ataídes, da presidente da FenaSaúde, Solange Beatriz Palheiro Mendes, do presidente da Associação Nacional das Resseguradoras Locais, Paulo Botti, entre outras lideranças e dos mercados de seguros e de sustentabilidade. “O conceito da sustentabilidade em seguros se mostra relacionado às solvências das empresas e ao melhor tratamento dos consumidores. O intuito é direcionar o comportamento das supervisionadas para as boas práticas de gerenciamento e mitigação dos riscos e tornar cada vez mais transparente ao consumidor de seguros os esforços da indústria na busca pela sua rigidez, qualidade e estabilidade do mercado segurador brasileiro”, destacou Mendanha de Ataídes. “Esse tema da sustentabilidade é, para nós, uma coisa também recente, muito nova, mas estamos empenhados em avançar cada vez mais nesse sentido para um mercado sólido”, completou o superintendente da Susep.
Especialista em riscos climáticos para o mercado e em sustentabilidade, a diretora de serviços financeiros de ratings da Standard & Poor’s (S&P), em Nova York, a brasileira Laline Carvalho participou do encontro. Durante o evento, ela alertou que as seguradoras precisam buscar mais mecanismos que auxiliem empresas e governos a se prevenirem contra catástrofes climáticas.
Laline sinaliza que a indústria de seguros poderá exercer um protagonismo nas políticas preventivas contidas nos conceitos de sustentabilidade. “Empresas e países não estão preparados e estão sem seguro suficiente para eventos naturais”, alerta a especialista, para a qual um dos grandes desafios do mercado é o de despertar os investidores mundiais para intensificarem o apoio a projetos de sustentabilidade, sobretudo os concentrados na prevenção de riscos climáticos.
A especialista destaca, porém, que há um risco durante a transição para a trilionária economia calcada em políticas de sustentabilidade. O desafio para os mercados, especialmente para o setor de seguros, é perceberem a velocidade dessa transição. Caso seja lenta, os prejuízos após catástrofes climáticas serão incalculáveis.
Mas as dúvidas sobre como promover essa transição persistem, e tornam-se mais incômodas por conta do aumento de catástrofes nas últimas quatro décadas. Investidores de longo prazo, como os fundos de pensão e as seguradoras, que movimentam grandes ativos, representam a parcela mais questionadora do mercado. “Há, por exemplo, fundos de mais de 20 trilhões de dólares para investir em sustentabilidade, mas ainda represados devido às incertezas sobre o que as empresas podem, ou não, apresentar sobre sustentabilidade. Os investidores dizem querer investir, mas não sabem em que investir. Não há, no momento, fornecimento suficiente de projetos verdes para estes investidores. Há um gap enorme entre demanda e oferta. Parte do problema é essa. É preciso melhorar a qualidade da informação a respeito. As empresas precisam se preparar, com projetos de sustentabilidade, para atrair os investidores”, analisa Laline.
Apesar deste volume superior a 20 trilhões de dólares represados, a maior parcela de aportes não foi freada. A expectativa da especialista é que os títulos verdes – os green bonds – emitidos pelo mercado saltem dos 90 bilhões de dólares, em 2016, para cerca de 150 bilhões, até dezembro deste ano. “No Brasil, essa emissão é ainda pequena”, reconhece Laline, lembrando que somente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinou, em maio deste ano, um bilhão de dólares para emissão de títulos verdes. Foi a primeira vez que um banco brasileiro ofereceu esse tipo de debênture no mercado internacional. A emissão foi preparada pelos bancos J.P.Morgan, Crédit Agricole e Bank of America Merrill Lynch. A demanda alcançou, contudo, cerca de cinco bilhões de dólares. “O futuro exige responsabilidade com soluções”, concluiu Laline.
Durante o encontro, foram anunciados resultados da Pesquisa sobre a Gestão Ambiental do Setor de Seguros, desenvolvida pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Baseado em informações cedidas voluntariamente por 127 seguradoras – o equivalente a 75% do setor no Brasil –, o estudo revela que 61% das empresas de seguros praticam a gestão interna de energia. “Essa mudança de visão não deve ser somente do mercado, mas da Susep também. Precisamos entrar, juntos, em um processo de conscientização e educação”, afirmou a coordenadora de Relações Internacionais e de Normas da Susep, Denise Mantovani.
No mesmo painel, foram debatidos os investimentos tecnológicos que permitem ao mercado de seguros calcular os riscos ambientais envolvidos em diversos tipos de negócios. “A curva dos investimentos é longa e os mercados vão mudar muito rapidamente”, ressaltou a Head of Latin America, Global Networks & Outreach do Principles for Responsible Investments (PRI), Tatiana Assali, que defendeu a importância da visão de longo prazo para garantir a sustentabilidade financeira do setor. “O Brasil tem que aprender com os erros e acertos dos países que já passaram pela mesma curva.”
No painel de apresentação da 2ª edição do Relatório de Sustentabilidade do Setor de Seguros, tiveram destaque os dados promissores do mercado. “Uma boa parte das seguradoras está saindo da estratégia para os negócios”, apontou o sócio e diretor Técnico da Sustenseg Ltda., Marco Antônio Ferreira. Ele destacou a atuação das empresas na gestão de resíduos, que ocorre em diversos segmentos, como o de saúde suplementar. “O setor é muito maduro em relação ao alinhamento regulatório. Está engajado em trazer soluções que protejam a própria cadeia de valor em relação a isso”, disse o executivo, que dividiu o painel com a presidente da Comissão de Sustentabilidade e Inovação da CNseg, Fátima Lima.
Além do Relatório de Sustentabilidade, foi lançado hoje o livreto “Gerenciamento de Risco e o Seguro”. O novo material, que integra a coleção de publicações do Programa de Educação em Seguros, foi apresentado no evento pelo superintendente executivo técnico da CNseg, Alexandre Leal.
Com foco nas mudanças da chamada Quarta Revolução Industrial sobre o mercado de seguros, a palestra de encerramento foi ministrada pelo membro do World Future Council do World Economic Forum e CEO da Space Time Analytics, Juan Carlos Castilla-Rubio. Ele discorreu sobre os impactos que a tecnologia poderá gerar, no futuro, sobre a análise de riscos no setor. É o caso, por exemplo, dos seguros de automóveis – qual será o papel do setor em um mundo com um número crescente de carros automatizados, que não mais demandam motoristas?
Em resposta, Castilla-Rubio ressaltou a importância das ideias inovadoras e apontou a tecnologia como caminho inevitável para a renovação do mercado – o que, em sua visão, é um tema latente. Segundo o executivo, estudos indicam que aproximadamente 67% de todos os empregos existentes no Estado de São Paulo correm risco de desaparecer nos próximos anos. Para lidar com esse cenário, é necessário repensar a atual estrutura de negócios e saber distinguir os riscos das novas oportunidades que já começam a despontar em todo o mundo.
Das seguradoras incluídas no relatório, 63% afirmaram utilizar metodologias para a análise de investimentos com critérios ASG e 25% disseram manter política corporativa baseada nos mesmos parâmetros. Outro dado relevante do estudo indica que 757 toneladas de resíduos provenientes de operações administrativas foram recicladas. Todas as seguradoras também disseram adotar medidas anticorrupção e gerenciar o tema por meio de políticas, normas e processos estruturados.
Conheça outros números do II Relatório Setorial de Sustentabilidade da CNseg:
- Mais de 4.100 toneladas de sucata automotiva passaram por logística reversa em 2016, um aumento de 86% em relação ao percentual relatado pelas empresas que participaram do Relatório em 2015.
- 52% empresas afirmaram que seus analistas e gestores passaram por treinamentos relacionados a temas ASG.
- 46% das empresas relataram que suas lideranças receberam treinamentos periódicos sobre temas ASG.
- 31% das empresas possuem metas de desempenho da alta liderança que incluem questões ASG.
- 76% das empresas realizam treinamentos para corretores e parceiros que tratam temas relativos à adequação do perfil dos clientes aos produtos vendidos.
- 43% das empresas incluem temas ASG nos treinamentos de corretores/parceiros comerciais.
- 75% das empresas possuem práticas de estímulo e de avaliação das opiniões de suas partes interessadas. 92% aproveitam os resultados internamente para melhorias de processos.
- 73% das empresas relataram possuir ações específicas envolvendo pesquisas de satisfação com clientes.
- 93% utilizam as pesquisas de satisfação com clientes como ferramenta para induzir melhorias de processos, produtos, serviços e de atendimento ao cliente.
- 85% das empresas têm a alta liderança envolvida diretamente nos debates setoriais.
- 40% das empresas buscam inovações envolvendo, por exemplo, a reciclagem de veículos no segmento do seguro de automóveis.
- 23% das empresas atuam no desenvolvimento de soluções tecnológicas como aplicativos que buscam orientar clientes sobre hábitos saudáveis de vida, com foco no bem-estar dos segurados.
- 16% das empresas aplicaram soluções de telemetria para seus produtos e serviços de seguros.
O setor de seguros no Brasil, em 2016:
- 17,5 milhões de veículos segurados.
- 9,9 milhões de residências seguradas
- 15,6 milhões de contratos de planos de acumulação e de risco de previdência
- 47,9 milhões de planos de assistência médica
- 22,0 milhões de planos exclusivamente odontológicos
- 15,9 milhões de pessoas clientes de capitalização
- 1,1 milhão de empresas clientes de capitalização
- 6,4% do PIB: porcentagem do Produto Interno Bruto movimentada pelo mercado de seguros