Depois de 14 anos transportando
bebidas no Estado do Rio, o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos
fechou as portas da sua empresa em janeiro. “Quebrei por causa de
tanto roubo”, diz. Ele chegou a ter as cargas de dois caminhões
roubadas em um mesmo dia. Com tantos assaltos, a seguradora
cancelou o contrato e o empresário, dono da maior transportadora de
bebidas do Estado, calcula ter desembolsado R$ 1 milhão para
ressarcir os clientes.
Assim como Santos, que fechou a
transportadora, cerca de 40 empresas de médio e pequeno portes que
atuavam no Rio de Janeiro faliram nos últimos meses, segundo o
Sindicato das Empresas de Carga e Logística do Rio (Sindicarga).
Essa estatística está diretamente ligada a outra: o número de
roubos de cargas no Rio avançou quase 25% no primeiro semestre na
comparação com o mesmo período de 2016, de acordo com o Instituto
de Segurança Pública.
Hoje, o Estado tem mais de um caminhão
roubado por hora. Em maio, quando as ocorrências atingiram seu
ápice, foram, em média, 40 caminhões por dia, segundo dados
exclusivos da Federação das Indústrias do Rio (Firjan). “Esses
números gritam, é um absurdo”, diz Sérgio Duarte, vice-presidente
da entidade. “Existe um mercado por trás disso.”
Os roubos de carga afetam os custos de
logística e as vendas da indústria e do comércio. Em 12 meses, os
gastos com transporte de mercadorias para o Rio subiram entre 30% e
35%, nos cálculos do Sindicarga. Fabricantes de eletroeletrônicos,
alimentos e redes varejistas, que preferiram conceder entrevistas
sem se identificar, afirmam que estão com dificuldade de contratar
frete para abastecer o Rio de Janeiro. “Tem empresa que já não quer
mais mandar carga para o Rio”, diz Duarte, da Firjan. “Estamos
correndo um sério risco de desabastecimento, especialmente dos
produtos mais roubados.”
Na lista dos preferidos dos bandidos
estão frango, carne bovina e queijos – itens fáceis de revender.
“Está uma loucura conseguir frango, por exemplo. Os supermercados
compram, mas não recebem”, diz o presidente da Associação dos
Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fabio Queiroz.
Um levantamento da entidade mostra que algumas mercadorias chegam
ao Estado com preços até 20% mais altos do que no restante do País
como consequência do repasse dos custos de transporte.
A BRF, gigante do setor de frangos e
comida congelada, contratou uma empresa de gerenciamento de risco
para revisar as rotas e os horários de circulação dos caminhões no
Rio. Em áreas de risco, eles trafegam em comboios de quatro a cinco
veículos e usam escolta.
Nem caminhões carregados de ovos
escapam das quadrilhas especializadas em roubo de carga. “Essas
mercadorias voltam para as ruas em Kombis, que vendem a cartela com
cinco dúzias a R$ 10. A cada caminhão roubado, são mil caixas de
ovos que entram nas ruas por preços que não podemos concorrer”, diz
o atacadista José Andrade, proprietário de uma distribuidora de
ovos na zona norte do Rio.
Os fornecedores do atacadista, a
maioria produtores de São Paulo, ameaçam suspender as entregas a
cada ocorrência. “Os bandidos levam para a comunidade, distribuem a
carga entre oito ou dez Kombis e posicionam uma em cada saída do
morro”, conta. “O morador nem desce mais para o asfalto para
comprar.”
Taxa de violência
Por causa do número crescente de
roubos e para arcar com custos extras de mão de obra, as
transportadoras criaram uma taxa de emergência, apelidada de “taxa
de violência”. Ela pode chegar a até 1% do valor da carga na nota
fiscal, acrescido de R$ 10 para cada 100 kg transportados. “O
problema é que o motorista também não quer vir para o Rio”, diz
Moura, do Sindicarga.
Além dessa despesa adicional, os
gastos das transportadoras cresceram por conta da maiores
exigências das seguradoras. Quando aceitam fazer seguro das
mercadorias para o Rio, exigem serviços de monitoramento da carga,
de gerenciamento para criar rotas mais seguras e até o uso de iscas
descartáveis – dispositivos que permitem rastrear a carga
roubada.
Eduardo Michelin, diretor de
Transportes da corretora Willis Towers Watson, conta que
recentemente consultou 14 seguradoras para fechar um seguro de uma
carga de produtos de higiene e limpeza para o Rio e apenas três
companhias se interessaram pelo negócio. Nas contas de Fernando
Ferreira, presidente da corretora de seguros Vessel, o preço da
operação de seguro de carga para o Rio mais que dobrou no último
ano. “Há até conversas entre as seguradoras para excluir o Rio das
apólices de seguros”, disse.
Embora os índices de roubo de carga
permaneçam altos, a operação conjunta entre Forças Armadas e
agentes de Segurança do Rio parece já ter levado a uma redução no
número de ocorrências no Estado. Em junho, foram registrados, em
média, 33 casos por dia. Em julho, ainda houve pelo menos 26 roubos
a caminhões por dia.
Os números, no entanto, estão longe de
encorajar o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos a atuar novamente
no Rio. Depois de fechar a transportadora de bebidas, ele opera
hoje, da capital fluminense, uma frota de 12 caminhões, que leva
café de Varginha (MG) para o Porto de Santos (SP). Sem passar pelo
Rio. As informações são do jornal