Uma representação feita junto ao
Ministério Público Estadual (MPE) levou a Promotoria de Justiça de
Defesa do Patrimônio Público instaurar procedimento preliminar para
apurar supostas irregularidades envolvendo o contrato da RN Saúde,
empresa responsável pelo convênio médico dos servidores da
Prefeitura de Uberlândia.
Conforme o documento, a empresa
teria impedimento legal para celebrar o contrato com a
Administração por causa de uma condenação
do sócio-proprietário por falsidade ideológica e trabalho análogo à
escravidão.
O G1 procurou a empresa, que é de Uberaba e
tem filial na cidade. Em nota, assessoria informou que o
responsável está ausente e que por isso não conseguiria prestar os
esclarecimentos solicitados pela reportagem. Já o Município não se
manifestou.
A denúncia foi oferecida pelo advogado e membro da Comissão de
Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de
Uberlândia, Leunir Rodrigues Ladico, que teve conhecimento do
documento depois de trabalhar em uma ação trabalhista contra a
empresa.
A condenação
em primeira instância contra o representante da operadora
ocorreu em 2014 pela 5ª Vara da Justiça Federal de Goiânia. O
empresário foi condenado a nove anos de prisão em regime fechado,
além do pagamento de multa no valor de R$ 8,2 milhões. O Ministério
Público Federal (MPF) apontou que ele havia inserido declarações
falsas sobre as supostas empresas na Junta Comercial do estado,
todas com o mesmo endereço, para burlar a legislação
trabalhista.
Em 2006, consta na sentença que
o empresário teria submetido 118 trabalhadores a moradias precárias
sem água encanada e instalação sanitária, configurando condições
análogas à de escravo. O processo tramita na segunda instância de
Goiás.
Diante da condenação, o advogado
Leunir Rodrigues Ladico defende que a empresa não tinha habilitação
jurídica para participar do processo licitatório em Uberlândia e
que, mesmo com a renovação do convênio em 2016 e manutenção do
contrato pela atual gestão municipal, o impedimento passou
despercebido, passando a impressão de ausência de controle interno
e externo da legalidade dos atos administrativos.
“Essa empresa não tem idoneidade
para manter o contrato e fere a imagem da nossa cidade. A gestão
passada nem deveria ter renovado o contrato em 2016 porque já havia
essa sentença e saiu na mídia, então acesso à informação não
faltou. Pela própria função do Executivo, que é ser um fiscal, a
gestão atual deixou passar este contrato. Então deveria ser feita
uma nova licitação com outras empresas”, ponderou.
O jurista ainda pontuou que a
Constituição Federal prevê que a administração pública não deve
manter convênios com prestadores de serviço que não demonstrem
idoneidade.
Além disso, a condenação por
trabalho análogo ao de escravo, que só pode ser imputada à pessoa
física, afronta as exigências legais de habilitação previstas na
lei federal que institui normas para licitações e contratos da
administração pública, em que deve ser comprovada a regularidade
fiscal e trabalhista da prestadora. Normas que também constavam no
edital publicado pelo Município em 2016.
“É um
absurdo que esse tipo de crime ainda ocorra em pleno século 21 e
não podemos deixar essa impunidade continuar. Esse contrato não tem
condições de ser mantido e eu não poderia ver essa situação e não
fazer nada. Também estou tentando contato com os Direitos Humanos
da OAB em Goiás para acompanhar o processo e não deixá-lo
prescrever”, finalizou Ladico.
A reportagem também procurou a
assessoria do ex-prefeito de Uberlândia, Gilmar Machado (PT), que
informou que não caberia à gestão passada responder, uma vez que
não foi notificada e não teve conhecimento da denúncia
oferecida.
A
representação contestando a validade do contrato com a Prefeitura
de Uberlândia resultou na abertura de uma Notícia de Fato em
fevereiro. O procedimento está em aberto com as partes sendo
notificadas pela Promotoria de Justiça para apresentar defesa aos
fatos relatados. Em posse das informações, o promotor poderá
instaurar inquérito ou não.