Essa cobrança foi instituída há 20 anos, na Lei nº 9.656, com redação da Medida Provisória 2.177-44/2001, baseada no art. 197 da Constituição. A proposta inicial, de acordo com tributarista, era que essa obrigação deveria ser restrita aos casos em que o serviço privado foi incompleto ou ineficiente, sendo que essa omissão seria sanada por outra empresa mediante um pagamento. “Mas, na prática, o ressarcimento ao SUS tem sido imposto independentemente da prova de prática de ato ilícito, no caso, a negativa de cobertura”, explica Murayama.
Também é contestada a constitucionalidade dessa política, uma vez que é dever do Estado prover acesso universal à saúde, como diz o art. 196 da Constituição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado”. Para Janssen Murayama, há uma inversão dessa lógica. “A lei transfere o que é de responsabilidade do Estado para as empresas. Os planos, que atuam na saúde suplementar, são subsidiários do sistema público”, afirma.
Em sua visão, a lei ainda fere a livre iniciativa, garantida nos artigos 170 e 199 da Constituição. Este último deixa claro o papel suplementar dos serviços privados de assistência de saúde: “§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. “Há uma interferência estatal no negócio das operadoras, o que prejudica a formação de preços e os beneficiários, consequentemente”, constata o advogado.
Na prática, o ressarcimento é uma espécie de tributo. Portanto, para sua instituição, seria necessária uma lei complementar definindo sua exigência, como manda a Constituição (inciso I do art. 154, do § 4º do art. 195 e § 1º do art. 198). “Não tem como impor um custeio da seguridade social sem uma institucionalização regular de contribuição específica”, diz Murayama.
“O ressarcimento ao SUS não é uma restituição, tendo em vista que o orçamento da saúde deveria incluir todas as necessidades da população”, defende o tributarista, que também põe em questão o acesso garantido ao atendimento dos próprios clientes dos planos de saúde nessas ocasiões, que deveria ser gratuito. “Se o sistema é gratuito para o usuário, não existe custo a ser ressarcido ao Estado. O nome disso é confisco”, conclui o especialista.
Neste cenário ainda restam outras ilegalidades, como a imposição de cobertura total e irrestrita aos planos, o que é a obrigação do Estado; erros de controle e administração da cobrança, tais como homônimos, carência do plano contratado, atendimento fora dos limites geográficos do plano e inadimplentes; e os valores cobrados pelo SUS são maiores do que os praticados pelas operadoras.
Em julgamento recente, contudo, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o controverso artigo 32 da Lei dos Planos de Saúde. A Corte julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.931, da Confederação Nacional da Saúde — Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), que questionava a validade de vários pontos da legislação. Os ministro votaram por unanimidade, seguindo o voto do relator Marco Aurélio Mello. Para ele, a cobrança não se trata de um tributo, mas de um desdobramento da relação contratual firmada em ambiente regulado. “A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o mercado de serviços de saúde submeta-se unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário”, sentenciou.
Janssen Murayama é advogado tributarista, sócio do Murayama Advogados, graduado em Direito e Ciências Contábeis pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), fundador e Diretor do Grupo de Debates Tributários – GDT; mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); diretor Administrativo-Financeiro da Associação Brasileira de Franchising Rio de Janeiro (ABF Rio) e professor convidado do FGV Law Program e do programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF). Conta com experiência de 16 anos em escritórios de advocacia, tendo atuado principalmente nas áreas de contencioso e consultoria tributária.