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Ações por cuidados domiciliares de saúde aumentam nos tribunais

Fonte: Diário de Uberlândia Data: 26 junho 2018 Nenhum comentário

“Foi um divisor de águas. Minha mãe tinha dois cuidadores de segunda a segunda, mas até às 17h. Depois, era meu pai, idoso, que tinha que cuidar dela no período da noite. Minha mãe já precisava de cuidados especiais. Com o home care a qualidade de vida dela aumentou, meu pai pôde ter vida social e todos nós ficamos mais seguros”. O relato é de farmacêutica Cristiane Reis, que há nove anos buscava ajuda para cuidar da mãe, diagnosticada com Alzheimer desde os 66 anos e, hoje, aos 75 anos tem a possibilidade de receber cuidados médicos e de outras especialidades da saúde em casa, com as despesas pagas pelo plano de saúde. Para isso, contudo, foi preciso uma ação judicial.
“É direito do paciente e depende da indicação expressa do médico, alguém tem que atestar que o paciente necessita. As negativas dos planos de saúde contrariam a própria indicação médica e não cabe à operadora a escolha do melhor procedimento para o paciente. São usados critérios para isso e depende da gravidade do caso”. A argumentação é da advogada especialista em saúde Lorena Loureiro Chagas. Ela diz que o a judicialização dos pedidos de cuidados domésticos para determinados tipos de doença só cresce, principalmente, nos últimos quatro anos.
Ao mesmo tempo, as operadoras de planos de saúde rebatem lembrando que existem limites para os gastos dos próprios planos e que o home care não é uma obrigatoriedade desde que não esteja previsto em contrato. Por isso as ações na Justiça se tornam cada vez mais comuns, objetivando coberturas não expressas no acordo assinado entre usuários e operadora, segundo a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
De fato, números do Ministério Público Federal (MPF) mostram crescimento na judicialização no campo da saúde no Brasil. Os processos judiciais ligados à área subiram de 209,4 mil em 2014 para 427,2 mil em 2015, e são motivados, principalmente, por negativas de coberturas e também por questionamentos quanto aos índices de reajustes. Em debate no início de junho na Câmara dos Deputados, representantes da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) explicaram que os custos das operadoras aumentam acima dos índices de inflação no Brasil devido a fatores como desperdícios, fraudes, abusos e incorporação, por força de decisões judiciais, de tecnologias ainda não testadas. A FenaSaúde representa 17 grupos de operadoras de planos privados de assistência à saúde, totalizando 22 empresas.
O termo Home Care é de origem inglesa, no qual a palavra “home” significa “lar”, e a palavra “care” tem tradução literal de “cuidado”. Portanto, a expressão Home Care é equivalente a cuidados domiciliares. O objetivo é manter ou restaurar a saúde do paciente em casa. Este tipo de serviço é direcionado não somente aos pacientes, como também aos seus familiares em qualquer fase de suas vidas, seja para aqueles que aguardam seu restabelecimento e retorno às suas atividades normais ou para os que necessitam de gerenciamento constante de suas atividades como também para pacientes que necessitam de acompanhamento em sua fase terminal.
Ainda que veja com ressalvas a judicialização da questão, o proprietário de uma empresa que presta esse serviço em Uberlândia, Renato Resende, resume o home care como atenção total ao paciente em um ambiente mais próximo da família e sem os riscos de uma internação hospitalar. “Isso garante maior tranquilidade e conforto para família e para o paciente. O atendimento em casa é mais humanizado e tem a oportunidade de estar com a família e até com seus animais de estimação em ambiente doméstico”, afirmou.

Súmula 90

Em fevereiro de 2012, o tribunal de Justiça do Estado de São Paulo publicou uma série de súmulas, entre elas a de número 90, enunciava que “havendo expressa indicação médica para a utilização dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença (acordo), que não pode prevalecer”. A jurisprudência se tornou argumento máximo para que ações com pedidos de cuidados domiciliares fossem movidas em tribunais de todo o País, como explicou a advogada Lorena Loureiro Chagas. “O Estado de São Paulo é referência na questão da saúde. Não existe Lei específica, mas a Súmula 90 é muito clara”, disse.
As prescrições mais comuns, segundo a jurista, são para pacientes que sofrem com doenças incapacitantes como o acidente vascular cerebral (AVC), a esclerose lateral amiotrófica (ELA), demência, infartos severos, Parkinson, Alzheimer, doenças pulmonares crônicas, incapacidade decorrente de acidente de trânsito, entre outras que possam se encaixar como portadores de doenças crônicas ou agudas, que necessitam da internação domiciliar.
O problema e maior argumento usado entre as operadoras de planos de saúde é que o atendimento domiciliar não está previsto no rol de coberturas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde (ANS), o que a advogada discorda. “O rol da ANS não é taxativo e não se exaure naquilo que está escrito. Se houver expressa necessidade, isso não pode prevalecer”, afirmou Lorena Chagas. Segundo ela, juízes em primeira instância costumam indeferir os pedidos, o que, geralmente, é reformado nos tribunais de Justiça, onde desembargadores atendem aos pedidos dos pacientes que têm real necessidade e prescrição médica para o atendimento doméstico.

Gastos 

A advogada estima que o custo médio de home cares, em geral, chegue a R$ 7 mil por mês, o que inclui não só aparelhagem ou mesmo o pagamento dos médicos. Insumos, como fraudas ou luvas, por exemplo, e o acompanhamento amplo de equipe multidisciplinar também estão incluídos. Dessa forma, de fonoaudiólogos a enfermeiros, passando por fisioterapeutas, todos são custeados pelo atendimento doméstico. O custo em um hospital, segundo a advogada, poderia chegar a R$ 30 mil para o paciente.

Custos caíram de R$ 3,2 mil para R$ 750

O custo que Cristiane Reis e sua família tinham com os dois cuidadores que cuidavam da mãe da farmacêutica passava de R$ 2,5 mil mensais, o que somado ao plano de saúde, de R$ 750 por mês, se mostravam valores altos e não conseguiam dar a atenção necessária à paciente com Alzheimer. Ela explicou ao Diário que a assistência à mãe vinha demandando cada vez mais, já que a paciente tinha passado por três ACVs, os quais comprometeram mobilidade e atividade cognitiva. Por meio de pesquisas, o home care se mostrou uma alternativa viável, só que isso a levaria a uma luta judicial.
A ação foi movida em setembro de 2017 e depois de uma liminar em segunda instância, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em fevereiro deste ano o aparato do atendimento domiciliar começou a ser montado na casa da mãe de Cristiane Reis. “O avanço da doença traz a necessidade de profissionais mais capacitados. Agora temos dois técnicos 24h por dia. O médico que vai semanalmente ou quando necessário. Há fisioterapia uma vez por semana e até fonoaudiologia. Todos muito cuidadosos”, disse. Agora a família gasta apenas o valor da mensalidade do plano.

Conciliação 

Há oito no mercado de home care em Uberlândia, o empresário Renato Resende viu o mercado crescer fortemente desde então. Não é á toa que empresa da cidade hoje tem unidade em outras quatro cidades do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e sul do Estado de Goiás, com a expectativa de abrir mais uma em São Paulo (SP).
A prestação de serviços como atendimentos multidisciplinares de saúde, com 160 profissionais de diversas áreas, além de locação de equipamentos, em grande parte se dá na contratação das operadoras de planos para o cumprimento de determinações judiciais. Mas Resende vê a questão com cuidado e imagina que o melhor caminho é a conciliação. A visão dele é ampla no sentido de sustentabilidade do atendimento e do negócio em si. “A judicialização, ainda que necessária em vários casos, às vezes atrapalha. Ao longo do tempo um paciente pode melhorar a saúde e não precisar de uma atenção de alta complexidade, mas por conta da liminar, a empresa não pode customizar o atendimento e este se torna engessado quando deveria ser personalizado”, disse.
Isso quer dizer que algo dinâmico, por estar travado por ordem judicial que, naturalmente não acompanha diariamente o quadro do paciente, pode gerar custos desnecessários com a inclusão de insumos e atendimentos que não seriam mais precisos. “Entendo que é uma questão delicada. Mas pensando em toda a cadeia da saúde no Brasil, com foco na otimização dos custos, onerar em exagero acabaria no declínio da saúde complementar como um todo. Ainda que eu seja beneficiado com aumento de demanda (por meio de ações judiciais), preciso ter uma visão como um todo”, explicou.

 

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