“Foi um divisor de águas. Minha
mãe tinha dois cuidadores de segunda a segunda, mas até às 17h.
Depois, era meu pai, idoso, que tinha que cuidar dela no período da
noite. Minha mãe já precisava de cuidados especiais. Com o home
care a qualidade de vida dela aumentou, meu pai pôde ter vida
social e todos nós ficamos mais seguros”. O relato é de
farmacêutica Cristiane Reis, que há nove anos buscava ajuda para
cuidar da mãe, diagnosticada com Alzheimer desde os 66 anos e,
hoje, aos 75 anos tem a possibilidade de receber cuidados médicos e
de outras especialidades da saúde em casa, com as despesas pagas
pelo plano de saúde. Para isso, contudo, foi preciso uma ação
judicial.
“É direito do paciente e depende da indicação expressa do
médico, alguém tem que atestar que o paciente necessita. As
negativas dos planos de saúde contrariam a própria indicação médica
e não cabe à operadora a escolha do melhor procedimento para o
paciente. São usados critérios para isso e depende da gravidade do
caso”. A argumentação é da advogada especialista em saúde Lorena
Loureiro Chagas. Ela diz que o a judicialização dos pedidos de
cuidados domésticos para determinados tipos de doença só cresce,
principalmente, nos últimos quatro anos.
Ao mesmo tempo, as operadoras de planos de saúde rebatem
lembrando que existem limites para os gastos dos próprios planos e
que o home care não é uma obrigatoriedade desde que não esteja
previsto em contrato. Por isso as ações na Justiça se tornam cada
vez mais comuns, objetivando coberturas não expressas no acordo
assinado entre usuários e operadora, segundo a Associação
Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
De fato, números do Ministério Público Federal (MPF) mostram
crescimento na judicialização no campo da saúde no Brasil. Os
processos judiciais ligados à área subiram de 209,4 mil em 2014
para 427,2 mil em 2015, e são motivados, principalmente, por
negativas de coberturas e também por questionamentos quanto aos
índices de reajustes. Em debate no início de junho na Câmara dos
Deputados, representantes da Federação Nacional de Saúde
Suplementar (FenaSaúde) explicaram que os custos das operadoras
aumentam acima dos índices de inflação no Brasil devido a fatores
como desperdícios, fraudes, abusos e incorporação, por força de
decisões judiciais, de tecnologias ainda não testadas. A FenaSaúde
representa 17 grupos de operadoras de planos privados de
assistência à saúde, totalizando 22 empresas.
O termo Home Care é de origem inglesa, no qual a palavra
“home” significa “lar”, e a palavra “care” tem tradução literal de
“cuidado”. Portanto, a expressão Home Care é equivalente a cuidados
domiciliares. O objetivo é manter ou restaurar a saúde do paciente
em casa. Este tipo de serviço é direcionado não somente aos
pacientes, como também aos seus familiares em qualquer fase de suas
vidas, seja para aqueles que aguardam seu restabelecimento e
retorno às suas atividades normais ou para os que necessitam de
gerenciamento constante de suas atividades como também para
pacientes que necessitam de acompanhamento em sua fase
terminal.
Ainda que veja com ressalvas a judicialização da questão, o
proprietário de uma empresa que presta esse serviço em Uberlândia,
Renato Resende, resume o home care como atenção total ao paciente
em um ambiente mais próximo da família e sem os riscos de uma
internação hospitalar. “Isso garante maior tranquilidade e conforto
para família e para o paciente. O atendimento em casa é mais
humanizado e tem a oportunidade de estar com a família e até com
seus animais de estimação em ambiente doméstico”,
afirmou.
Súmula 90
Em fevereiro de 2012, o tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo publicou uma série de súmulas, entre elas a de número 90,
enunciava que “havendo expressa indicação médica para a utilização
dos serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão
inserida na avença (acordo), que não pode prevalecer”. A
jurisprudência se tornou argumento máximo para que ações com
pedidos de cuidados domiciliares fossem movidas em tribunais de
todo o País, como explicou a advogada Lorena Loureiro Chagas. “O
Estado de São Paulo é referência na questão da saúde. Não existe
Lei específica, mas a Súmula 90 é muito clara”, disse.
As prescrições mais comuns, segundo a jurista, são para
pacientes que sofrem com doenças incapacitantes como o acidente
vascular cerebral (AVC), a esclerose lateral amiotrófica (ELA),
demência, infartos severos, Parkinson, Alzheimer, doenças
pulmonares crônicas, incapacidade decorrente de acidente de
trânsito, entre outras que possam se encaixar como portadores de
doenças crônicas ou agudas, que necessitam da internação
domiciliar.
O problema e maior argumento usado entre as operadoras de
planos de saúde é que o atendimento domiciliar não está previsto no
rol de coberturas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde (ANS),
o que a advogada discorda. “O rol da ANS não é taxativo e não se
exaure naquilo que está escrito. Se houver expressa necessidade,
isso não pode prevalecer”, afirmou Lorena Chagas. Segundo ela,
juízes em primeira instância costumam indeferir os pedidos, o que,
geralmente, é reformado nos tribunais de Justiça, onde
desembargadores atendem aos pedidos dos pacientes que têm real
necessidade e prescrição médica para o atendimento
doméstico.
Gastos
A advogada estima que o custo médio de home cares, em geral,
chegue a R$ 7 mil por mês, o que inclui não só aparelhagem ou mesmo
o pagamento dos médicos. Insumos, como fraudas ou luvas, por
exemplo, e o acompanhamento amplo de equipe multidisciplinar também
estão incluídos. Dessa forma, de fonoaudiólogos a enfermeiros,
passando por fisioterapeutas, todos são custeados pelo atendimento
doméstico. O custo em um hospital, segundo a advogada, poderia
chegar a R$ 30 mil para o paciente.
Custos caíram de R$ 3,2 mil para R$ 750
O custo que Cristiane Reis e sua família tinham com os dois
cuidadores que cuidavam da mãe da farmacêutica passava de R$ 2,5
mil mensais, o que somado ao plano de saúde, de R$ 750 por mês, se
mostravam valores altos e não conseguiam dar a atenção necessária à
paciente com Alzheimer. Ela explicou ao Diário que a assistência à
mãe vinha demandando cada vez mais, já que a paciente tinha passado
por três ACVs, os quais comprometeram mobilidade e atividade
cognitiva. Por meio de pesquisas, o home care se mostrou uma
alternativa viável, só que isso a levaria a uma luta
judicial.
A ação foi movida em setembro de 2017 e depois de uma liminar
em segunda instância, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em
fevereiro deste ano o aparato do atendimento domiciliar começou a
ser montado na casa da mãe de Cristiane Reis. “O avanço da doença
traz a necessidade de profissionais mais capacitados. Agora temos
dois técnicos 24h por dia. O médico que vai semanalmente ou quando
necessário. Há fisioterapia uma vez por semana e até
fonoaudiologia. Todos muito cuidadosos”, disse. Agora a família
gasta apenas o valor da mensalidade do plano.
Conciliação
Há oito no mercado de home care em Uberlândia, o empresário
Renato Resende viu o mercado crescer fortemente desde então. Não é
á toa que empresa da cidade hoje tem unidade em outras quatro
cidades do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e sul do Estado de
Goiás, com a expectativa de abrir mais uma em São Paulo
(SP).
A prestação de serviços como atendimentos multidisciplinares
de saúde, com 160 profissionais de diversas áreas, além de locação
de equipamentos, em grande parte se dá na contratação das
operadoras de planos para o cumprimento de determinações judiciais.
Mas Resende vê a questão com cuidado e imagina que o melhor caminho
é a conciliação. A visão dele é ampla no sentido de
sustentabilidade do atendimento e do negócio em si. “A
judicialização, ainda que necessária em vários casos, às vezes
atrapalha. Ao longo do tempo um paciente pode melhorar a saúde e
não precisar de uma atenção de alta complexidade, mas por conta da
liminar, a empresa não pode customizar o atendimento e este se
torna engessado quando deveria ser personalizado”,
disse.
Isso quer dizer que algo dinâmico, por estar travado por
ordem judicial que, naturalmente não acompanha diariamente o quadro
do paciente, pode gerar custos desnecessários com a inclusão de
insumos e atendimentos que não seriam mais precisos. “Entendo que é
uma questão delicada. Mas pensando em toda a cadeia da saúde no
Brasil, com foco na otimização dos custos, onerar em exagero
acabaria no declínio da saúde complementar como um todo. Ainda que
eu seja beneficiado com aumento de demanda (por meio de ações
judiciais), preciso ter uma visão como um todo”,
explicou.