Talvez você nunca tenha ouvido falar
em Luis Carlos Ewald, mas provavelmente sabe quem é o “Senhor
Dinheiro”, que é como Ewald ficou conhecido participando de
programas na Rede Globo, onde ensina a pechinchar, economizar,
fazer o dinheiro render e demais prestidigitações da chamada
“economia doméstica”. Ewald, que de resto presta consultorias e
escreve livros sobre “fazer sobrar”, virou garoto propaganda de uma
operadora de plano de saúde, a quem alugou o personagem “Senhor
Dinheiro”, que, de caneta na mão, rabiscando equações em janelas de
vidro, bem ao seu estilo, afinal, diz assim nos comerciais de TV:
“quem faz as contas tem plano de saúde”.
O comercial está agora mesmo no ar, e,
talvez, tenha sido exibido nos intervalos dos telejornais do fim da
semana passada, quando a radiodifusão brasileira repercutiu um novo
reajuste e novas regras para o funcionamento de planos autorizados
pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
Em abril, esse Opinião e
Notícia publicou matéria sob o título “Planos
contam com ANS. Saúde pública dará conta das consequências?”.
Informávamos, naquela feita, que os aumentos (aparentemente)
abusivos dos planos de saúde nos três últimos anos (de 13,5%, em
média) foram parar na comissão de Direitos Humanos do Senado.
Precisamente nos três últimos anos, três milhões de brasileiros
deixaram de ter seguro para o caso de caírem doentes.
A principal atribuição das agências
reguladoras é a de poder regulador sobre serviços prestados à
população, via iniciativa privada, em determinados setores da
economia. A ANS, por exemplo, tem como principal razão de ser
fiscalizar, controlar e regular o chamado “mercado de saúde
suplementar”, belíssimo nome para o intrincado ramo da saúde
privada, em geral, e dos planos de saúde, em particular, nascido do
diuturno desrespeito ao preceito constitucional de que saúde é
direito de todos, e é dever do Estado garantir a todos esse direito
via acesso “universal e igualitário” a cuidados médicos.
Reajuste é retroativo a
maio
Pois em meados de junho, aconteceu no
Brasil uma situação inusitada envolvendo a ANS: a
agência anunciou que iria recorrer de uma decisão da Justiça
Federal de São Paulo que limitava em 5,72% o reajuste de
planos individuais e coletivos em 2018. A decisão judicial havia
sido tomada a partir de uma ação movida pelo Instituto Brasileiro
de Defesa do Consumidor (Idec) com base em relatório do Tribunal de
Contas da União, relatório esse que aponta falta de transparência
nos cálculos da ANS que vêm resultando naqueles sucessivos aumentos
de dois dígitos.
A ANS tentou ainda desqualificar a
ação movida pelo Idec, bem como a decisão judicial, dizendo que uma
como a outra causam “comoção social”. Mas é de fato socialmente
dramático um cenário de SUS saturado, de um lado, e, de
outro, o
segurado precisando até dobrar o que paga à seguradora, se quiser
continuar a sê-lo. Esse será o cenário daqui a cerca de seis
meses, quando entrarem em vigor as novas regras para os planos.
Outra nuance da questão dos planos
debatida naquela audiência no Senado foi a possibilidade de o
Brasil vir a ter seguro saúde na modalidade de franquias, no melhor
estilo dos seguros de carros e motos: quando precisar passar a
carteirinha para consultas ou exames, o segurado teria que
desembolsar um valor adicional. Terá. Naquela ocasião, a
expectativa (e era grande a expectativa das operadoras) era de que
essa norma fosse publicada pela ANS até junho. Foi publicada,
afinal, no último 27 de junho, digamos que quase no fim do prazo: o
“segurado” que cair doente terá, afinal, que pagar até 40% dos
custos dos procedimentos médicos necessários para ficar bom.
Mas isso, como já foi dito, só daqui a
seis meses. Para já, a mesma portaria da ANS autorizou reajustes de
até 10% nas cobranças dos planos de saúde. Aquela decisão da
Justiça Federal de São Paulo, atendendo a pedido do Idec e
limitando o reajuste para 2018 em 5,72%, durou 10
dias: foi
derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região. O
reajuste autorizado pela ANS no último dia 27 de junho é além do
mais retroativo à mensalidade de maio.
Quem faz as contas (quem bota os
gastos na ponta do lápis para ver se sobra algum no fim do mês) não
tem plano de saúde. Não mais.