A Resolução Normativa – RN n.º 363, de 11 de dezembro de 2014,  editada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, estabeleceu as  regras para a celebração de contratos escritos entre as operadoras de  planos privados de assistência à saúde e os prestadores de serviços de  atenção à saúde, determinando que esses devem estabelecer com clareza as  condições para a sua execução, expressas em cláusulas que definam os  direitos, obrigações e responsabilidades das partes, estabelecendo as  cláusulas mínimas obrigatórias que aludidos contratos devem conter.
Foi estabelecido que a partir de 22 de dezembro de 2014, os novos  contratos já deveriam observar a citada norma, bem como que as cláusulas  dos contratos escritos celebrados anteriormente à vigência da citada  resolução deveriam ser ajustadas (adaptadas) em até doze meses, contados  do início da vigência da mencionada resolução.
Chamamos especial atenção  para as cláusulas de reajuste dos valores, deixando expresso que a Lei  n.º 13.003, de 2014, que deu origem a citada resolução, assim como as  RNs n.º 364 e 365, estabeleceram a obrigatoriedade do reajuste anual dos  valores contratados, ou seja, a indexação anual obrigatória, deixando  para as partes, dentro do princípio da autonomia da vontade, a fixação  da forma de reajuste, que deve ser aplicada anualmente na data de  aniversário do contrato.
Citada norma permitiu a previsão da livre negociação como  forma de reajuste, estabelecendo que o período de reajuste será de 90  (noventa) dias corrigidos, improrrogáveis, contados a partir de 01 de  janeiro de cada ano, devendo o reajuste acertado ser aplicado na data de  aniversário do contrato.
Todavia, havendo a previsão da livre negociação como forma de  reajuste e as partes não chegando a um acordo ou não realizando a  negociação determinada, prevalecerá o índice de reajuste definido pela  ANS, que é o IPCA, que não incidirá sobre órteses, próteses, materiais e  medicamentos, e que será aplicado em conjunto com o fator de qualidade,  cujos critérios foram recentemente alterados pela ANS.
Portanto, se o contrato já estabelece, de forma clara, o índice (ou  percentual de índice) de reajuste, ou até mesmo a livre negociação,  porém, com o estabelecimento de índice de reajuste (ou percentual de  índice) alternativo caso as partes não cheguem a um acordo, não há que  se falar na aplicação do índice de reajuste e do fator de qualidade  fixado pela ANS. Nesses casos, se impõe, reitera-se, o princípio da  autonomia de vontade, devendo ser respeitado o que foi pactuado.
A aplicação do índice da ANS (e do seu critério de fator de  qualidade) somente é aplicável em situação de excepcionalidade, ou seja,  somente quando o contrato estabelecer, exclusivamente, a livre  negociação, sem a fixação de qualquer índice alternativo.
Cumpre trazer à colação, porém, que a ANS, ainda recentemente, por  meio da Resolução Normativa – RN n.º 436, de 3 de dezembro de 2018,  estabeleceu que as partes “na composição da remuneração e os critérios  de reajuste deverão considerar os atributos de qualidade e desempenho da  assistência à saúde, previamente discutidos e aceitos pelas partes”,  devendo aludidos atributos já ser considerados nos contratos firmados ou  renovado a partir da edição da mencionada norma.
Também alterou os percentuais de Fator de Qualidade (115%, 110% ou  100% do IPCA), porém esses somente serão obrigatórios naquelas situações  de aplicação do índice da ANS porque as partes estabeleceram a livre  negociação “pura” e não chegaram a um acordo ou não realizaram tais  tratativas no período de 01 de janeiro a 31 de março de cada ano. O  fator de qualidade da RN n.º 364 não se confunde com a fixação de  atributos de qualidade e desempenho previsto na RN n.º 436, que alterou o  § 1º. do art. 12 da RN n.º 363.
Como bem leciona o Prof. Dr. Pedro Gonçalves, da Universidade de  Coimbra, a regulação pode ser realizada através de lei, por norma do  agente regulador ou, até mesmo, pelo contrato, sendo que in casu tanto a  Lei n.º 13.003, de 2014, como as resoluções que foram editadas pela  ANS, delegaram às partes, através do contrato, estabelecer as condições  mínimas obrigatórias para a mencionada contratualização, não fixando o  conteúdo das cláusulas, mas sim as cláusulas que devem ser pactuadas com  clareza entre as partes.
Entendemos, portanto, que a obrigatoriedade da consideração de  atributos de qualidade e desempenho da assistência é condição que se  aplica, necessariamente, no processo negocial, não se fazendo mister, de  pronto, a inserção do conteúdo dos mencionados critérios no contrato  vigente, não obstante a sua conveniência, principalmente se as partes  ainda não chegaram a um acordo com referência a modelos alternativos de  remuneração e reajuste, ou seja, se ainda estão se valendo da fórmula  denominada fee-for-service.
A mudança do modelo é um desejo da sociedade, porém a norma não pode,  sob pena de contrariar o princípio da autonomia da vontade, obrigar a  adoção de alguma das formas conhecidas no mercado internacional. A ANS  pode e deve induzir comportamentos e até obrigar a discussão dos citados  atributos de qualidade e desempenho, porém não pode fixar o conteúdo  das citadas cláusulas, tendo as partes liberdade de contratar e fixar as  condições do contrato.
Recomenda-se, porém, que seja inserido no contrato cláusula deixando  expresso que as partes irão observar em suas negociações de remuneração e  reajuste os citados atributos de qualidade e desempenho, até mesmo em  face do disposto no parágrafo único do art. 7.º. da RN n.º 436, porém  sem a necessidade do estabelecimento das citadas condições, pois muitas  vezes as partes ainda não possuem a expertise, o know how ou a  necessária confiança para o estabelecimento dos chamados modelos  alternativos de remuneração, que devem ser buscados, mas que não podem  ser impostos pelo órgão regulador.
O prazo de adaptação dos contratos firmados anteriormente a edição da  RN n.º 363, já expirou em 22 de dezembro de 2015, bem como os contratos  firmados a partir de 22 de dezembro de 2014 já deveriam observar os  requisitos das RNs. 363 e 364, constatando-se, ainda hoje, que muitas  operadoras ainda não concluíram o seu processo de adaptação e/ou  adequação, pois muitos de seus contratos ainda não preenchem todos os  requisitos das citadas normas, constatando o órgão regulador que, muitas  vezes, mesmo naqueles que foram adaptados ou redigidos após a vigência  das citadas normas, diversas cláusulas e condições não são claras e/ou  estão em desconformidade com os princípios estabelecidos nos normativos  e/ou na Lei n.º 9.656, de 1998, principalmente com referência a: a)  remuneração de materiais e medicamentos de uso hospitalar; b)  remuneração por pacotes; c) dificuldades de negociação contratual; d)  glosas sobre o faturamento apresentado; e) não pagamento da remuneração  devida pelo procedimento; f) aplicação irregular ou não aplicação do  reajuste previsto no contrato ou determinado pela ANS; g) falta de  clareza com referência a rescisão contratual; i) discussão sobre as  OPMEs., h) outras questões que não ficaram claras nos contratos  firmados.
Essa falta de precisão ou clareza afeta o relacionamento entre as  partes, podendo resultar em sérios prejuízos aos beneficiários e a  aplicação de sanções pela ANS às operadoras de planos privados de  assistência à saúde.
Por tais razões, urge que as operadoras revejam e discutam os seus  contratos de credenciamento, principalmente em face das mudanças que  estão ocorrendo no mercado e de novas exigências das legislações dos  planos de saúde, do compartilhamento de dados, dos modelos de  remuneração e custeio, sem contar com novos modelos de contratação que  surgiram (ou estão surgindo) no mercado e a necessidade da adoção de  mecanismos de gerenciamento de riscos, governança corporativa e  compliance, que estarão sujeitos a requisitos de certificação e  acreditação definidos ou a ser definidos pela ANS.
Rever e repensar os contratos de credenciamento é uma condição  fundamental, não somente para evitar as penalidades das ANS, que são  elevadas, mas também para inserir os contratos dentro dos novos  mecanismos de governança, gestão de riscos, controle e aperfeiçoamento  das operadoras de planos privados de assistência à saúde.