Em
minha última crônica me manifestei sobre as regras complementares
de funcionamento e os critérios para operação das coberturas de
risco de seguros de pessoas, que é objeto de minuta da
Circular Susep em sede de audiência
pública.
Lá
tratei, entre outros comentários, dos Riscos excluídos previstos
nos artigos 24 a 27, especificamente no que concerne ao estado de
insanidade mental, a embriaguez e o uso de substâncias
tóxicas, ex vi, do art. 26 da Minuta da Circular em
tela.
Visando concluir a exegese para não ficar “capenga” meus
comentários sobre o artigo 26, passo, de imediato, ao artigo 27 que
encerra essa matéria, vale dizer, a aceitação do risco pela
seguradora, finalizando essa crônica com algumas ponderações que
considero oportunas em relação ao título acima epigrafado.
Diz o artigo
27:
“Deverá constar das condições
contratuais do seguro disposições relacionadas a eventual exclusão
de doenças preexistentes”.
O trato de doenças preexistentes
foi objeto de muita celeuma no Superior Tribunal de Justiça,
culminando com o laeding case no
voto do Ministro Eduardo Ribeiro no
julgamento do Recurso Especial nº198.015-GO.
Eis a ementa:
“Se a seguradora aceita a
proposta de adesão, mesmo quando o segurado não fornece informações
sobre o seu estado de saúde, assume os riscos do negócio. Não pode,
por essa razão, ocorrendo o sinistro, recusar-se a
indenizar”.
Pois bem. A minuta da Circular
dispõe no § 1º do art. 27, verbis:
“Não poderão ser objeto de exclusão
de cobertura do seguro as doenças preexistentes;
I – que forem de conhecimento do
segurado e tenham sido declaradas na declaração pessoal de saúde
que integra a proposta;
II – que não forem de conhecimento
do segurado quando da formalização da proposta”.
E, logo, no ponto:
- 2º É vedada a exclusão de doenças preexistentes quando não for
exigido pela sociedade seguradora o preenchimento de declaração
pessoal de saúde”.
É, em outras palavras, o que ficou
assentado no julgamento acima transcrito.
Ainda mais: os parágrafos 3º e 4º
do art. 27 terminam com bastante clareza e eloquência a compreensão
deste tema de doença preexistente.
No
item Aceitação do seguro (art. 28 e
seu parágrafo único) o legislador minudencia tais
procedimentos, tais como exigências de informações, declarações,
documentos ou exames médicos para auxiliar na avaliação do
risco.
Adentrando, agora, de modo sistemático, no título desses
comentários – Vigência e
Renovação – artigos 29 a 31 -,
também objeto de muita divergência por parte de nossos Tribunais
está assentado no primeiro deles que “deverá ser estabelecido o
critério de fixação do início e término de vigência das coberturas,
nos termos da regulamentação específica”.
Destaco, ab ovo, que essa temática é de extrema
importância notadamente para o segurado que, via de regra, não sabe
ou não tem ideia de como está atualmente seu seguro de vida,
particularmente no que tange ao seguro de vida individual aonde não
existe a figura do estipulante como é o caso dos seguros
coletivos.
Uma
pergunta logo brota: Qual é o tempo de duração de um seguro de vida
individual? E ato contínuo: O que fazer caso a seguradora depois de
30 ou 40 anos de um contrato de seguro de vida individual, que
cobre morte natural, acidental ou invalidez permanente, depois de
vários reajustes anuais, não envia mais os documentos de cobrança e
o segurado após fazer várias tentativas, quer por e-mail ou
telefonemas não é mais atendido?
Pode
a seguradora cancelar potestativamente – “entre as condições
defesas se incluem as que privarem de todo o efeito o negócio
jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”
– artigo 122, segunda parte, do Código
Civil – o seguro contratado, ou o segurado poderá se
valer de certos procedimentos judiciais?
Um
deles seria promover uma ação de consignação em
pagamento (artigo 334 e seguintes do Código Civil,
combinado com os artigos 539/549 do Código de Processo Civil
objetivando o segurado estar adimplente com suas obrigações
contratuais. Mas, se não existe mais tal seguro – hipótese de
cancelamento – para aonde vai a importância depositada? Lógico que
vai endereçada à seguradora. Porém, a Companhia poderá alegar que
não há mais causa debendi e assim pretender
devolver o valor depositado ao segurado.
A outra situação poderia ser
agitada com uma Notificação/Interpelação a teor
dos artigos 726 a 729 do Código de Processo Civil.
Quid juris? A resposta
parece estar mais objetiva e transparente na dicção do § 2º do
artigo 30 da sobredita minuta da Circular.
Diz esse dispositivo legal:
“Art. 30. Deverão ser especificados
os procedimentos para renovação da apólice, quando for o caso.
- 1º A renovação automática só poderá ser feita uma única vez e
pelo mesmo prazo, devendo as renovações posteriores serem feitas,
obrigatoriamente, de forma expressa.
- 2º Quando prevista renovação da apólice, caso a sociedade
seguradora não tenha interesse em efetuar esta
renovação, deverá comunicar aos segurados e, no caso de
apólice coletiva, ao estipulante mediante aviso prévio de, no
mínimo, trinta dias que antecedam o final da vigência da
apólice”. Grifo meu.
Ademais, como expressamente
determina o artigo 51 – Das
Cláusulas Abusivas – O Código de
Defesa do Consumidor – enfatiza que “são nulas de pleno
direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
fornecimento de produtos e serviços que:
…
XI- autorizem o
fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual
direito seja conferido ao consumidor”.
Impende sublinhar, portanto, que
estas hipóteses acima previstas guardam a mesma sintonia e
identidade com nosso ordenamento jurídico, que, agora, é agasalhada
pela Minuta da Circular que trata do Seguro de Pessoas.
Nesta toada registrei algures o que
sentenciou em um processo que patrocinei o interesse de uma das
partes, o que disse o Juiz Titular da Sexta Vara Cível do DF,
Dr. José Guilherme de Souza:
“Destarte, se uma seguradora chega ao ponto de alegar para o seu
corpo de segurados que o “desequilíbrio atuarial em que a mesma se
encontra, onde a relação prêmio versus sinistros
chegou a patamares que a tornou altamente deficitária forçará o
cancelamento de uma apólice-mestre de seguro de vida em grupo, é
possível inferir, embora não se possa afirmar com segurança
absoluta, que tal desequilíbrio somente pode ter sido gerado por má
administração (não necessariamente dolosa, advirta-se), dos
recursos injetados na instituição, fraturando a proporcionalidade
segura que existia entre os fatores prêmios/sinistros/coberturas,
pois, como dito, a estatística conforta em favor da entidade
seguradora, qualquer projeção que se queira fazer em cima dessas
ocorrências”.(Voltaire Marensi. O Seguro no
Direito Brasileiro, 9ª edição.
Lumen/Juris/Editora, páginas 402/403).
Mutatis, mutandi, assim se passa também nos
seguros de vida individual!
Acredito que com o cumprimento do
que se encontra acima destacado, em tese, se colocará “uma pá de
cal” no tormentoso tema do cancelamento, ou não, do seguro de
pessoas.
E no último artigo dessa seção como
corolário está, expressamente, dito:
“Art. 31. Para os seguros temporários que prevejam a possibilidade
de renovação, as condições contratuais deverão conter a informação
de que o seguro é por prazo determinado, tendo a seguradora a
faculdade de não renová-lo na data de vencimento”.
Cabe por fim trazer à colação o que
diz o artigo 796 de nosso Código Civil,
quando acentua:
“O prêmio, no seguro de vida, será
conveniado por prazo limitado, ou por toda a vida do segurado.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, no seguro individual, o
segurador não terá ação para cobrar o prêmio vencido, cuja falta de
pagamento, nos prazos previstos, acarretará, conforme se estipular,
a resolução do contrato, com a restituição da reserva já formada,
ou a redução do capital garantido proporcionalmente ao prêmio
pago”.
A doutrina acolhe esse entendimento
ao salientar:
“Entretanto, convém lembrar que os seguros em grupo serão
temporários, o mesmo ocorrendo com o seguro de acidentes pessoais,
estes ainda quando contratados sob a forma individual”.
(Ernesto Tzirulnik, Flávio de Queiroz B. Cavalcanti e Ayrton
Pimentel. O Contrato de Seguro de acordo com o Novo Código Civil
Brasileiro, 2ª edição. Editora Revista dos Tribunais,
2003. Artigo acima citado).
Ademais, no seguro de vida, via de regra, o prazo é limitado em um
ano, ocasião em que vigora a relação contratual estabelecida entre
segurado-segurador. Passim. (Voltaire
Marensi. O Contrato de Seguro à luz do Novo Código Civil, 3ª
edição. Thomson/Iob, 2005, páginas 72 a 74).
Com
esses considerandos o tema se torna bem mais claro e objetivo,
atentando, outrossim, o que prevê à parte inicial da sobredita
minuta da Circular assim como o prescrito pela atual legislação,
mormente pelo Código de Defesa do Consumidor, tal como estampa, de
forma ímpar e solar, os inúmeros preceitos insertos na Circular,
aliás, de lege ferenda, se aprovada nos
moldes como está redigida. Aí, sim. Lei e
Circular andarão de “mãos dadas” em rodovia de uma
única via.
É o inquestionável princípio da
hierarquia das leis operando para atender às inteiras o que
preceitua o bom Direito.