Antes de colocar um medicamento no mercado, as indústrias farmacêuticas precisam decidir o preço máximo que será cobrado – tarefa que tem que ser realizada em conjunto com a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), um órgão vinculado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
É de se imaginar que, em um processo desses, discordâncias entre os valores pretendidos pela indústria e o liberado pelo governo ocorram o tempo todo. Estudo realizado pela CMED – e divulgado com exclusividade pelo Brasil Econômico – confirma essa ideia.
O levantamento apontou que, desde que a atual regra de precificação entrou em vigor, em 2004, os valores autorizados foram, em média, 35% menores do que os requeridos pelas companhias.
“É absolutamente natural que isso aconteça. O problema nesse caso, não é a legislação, que está em linha com a dos outros países, mas a execução. Como costuma acontecer no setor, as dificuldades de execução atrapalham a criação de um ambiente que incentive a inovação”, diz Antônio Britto, presidente da Interfarma, entidade que reúne as empresas do setor.
Entre as indústrias que têm maior dificuldade para aprovação dos valores desejados, estão aquelas com maior investimento em inovação.
Segundo o estudo, apenas 7% dos produtos cadastrados na categoria I – aquela que reúne os medicamentos com maior grau de inovação – foram aprovados sem ressalvas pela Anvisa. Na lista dos pedidos dessa categoria analisados pelo órgão, há medicamentos desenvolvidos por gigantes mundiais, como Pfizer, Roche e Bayer. As empresas preferiram não comentar a questão.
Segundo a Interfarma, por trás das diferenças entre os valores propostos pela indústria e os aceitos pela Anvisa não está uma política comercial errada das companhias e nem mesmo uma tentativa exagerada de maximizar os ganhos.
“Quando você analisa que a diferença entre os valores é de 35% e que a carga tributária do setor gira em torno de 32%, dá para começar a entender onde está o problema de fato”, diz Britto.
Seja qual for o motivo por trás das diferenças, a maioria absoluta dos pedidos de registro de preço acabam rejeitados pela Anvisa, mesmo quando não há altos graus de inovação no produto. Dos mais de 1,1 mil processos já analisados pelo órgão, apenas 33% dos casos tiveram os valores aprovados conforme sugerido pela indústria.
“Para conseguir aprovar um preço mais elevado, as empresas muitas vezes tentam comprovar benefícios adicionais do medicamento que, quando vamos investigar, nem sempre se constituem na prática”, diz Gabrielle Troncoso, gerente de Avaliação Econômica de Novas Tecnologias da Anvisa e uma das responsáveis pelo estudo.
Mudanças no longo prazo
Apesar de a diferença entre os valores pretendidos pela indústria e os aprovados ainda serem grandes, a Anvisa vê uma evolução.
“No começo, as discrepâncias eram muito maiores. Acredito que a tendência é de a indústria se adequar cada vez melhor aos normativos”, diz Gabrielle. Segundo ela, nos casos em que o único critério considerado é o preço praticado em outros países, as diferenças de valores já são muito pequenas.
“São dados públicos, que a indústria tem acesso antes de nos apresentar o projeto.”Para Britto, da Interfarma, a tendência é que o mercado caminhe para uma menor regulamentação.
“A mudança deve ser gradual, começando nos setores mais competitivos, mas será boa, já que o governo tem um grande ônus burocrático por controlar absolutamente tudo.”