Em um caso, índice era de 137%; correções influenciam o aumento
dos contratos individuais
A Justiça tem considerado abusivos e barrado reajustes aplicados
a partir de 2012 por operadoras de planos de saúde a grandes
contratos coletivos, como os usados por empresas. Esses aumentos
são livres, e é a partir deles que a Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) define o teto para o aumento dos planos
individuais em 2013. O índice de aumento deve ser divulgado pela
ANS até junho.
Em quatro processos consultados pelo iG , a Justiça impediu
correções que vão de 73,8%, aplicado pela Amil a um contrato com
uma empresa de São Paulo, a 137,38%, feito pela Unimed Vitória no
plano de uma associação de servidores do Espírito Santo. A Porto
Seguro por sua vez, aplicou reajustes de 98% em um caso e de 76,03%
em outro. As três operadoras têm 5,9 milhões de beneficiários de
planos médico-hospitalares, ou 12% do total do Brasil.
Nos quatro casos, a justificativa para os reajustes foi de que
os gastos com o tratamento dos beneficiários – a sinistralidade –
aumentou. Isso está previsto nos contratos, mas, para os juízes e
desembargadores que avaliaram as disputas, a cláusula foi utilizada
de forma abusiva.
A Porto Seguro, por exemplo, exigiu o reajuste de 98% no plano
contratado por uma empresa de comunicação de São Paulo depois que o
filho de um beneficiário adoeceu. O contrato tinha cerca de 200
beneficiários.
“Outra opção era fazer um aporte de R$ 196 mil”, conta o
advogado Rafael Robba, do Vilhena Silva Advogados. A operadora
indicou, ainda, que cancelaria o contrato.
No início deste mês, a Justiça impediu a cobrança, o reajuste e
a rescisão. “O Tribunal de Justiça de São Paulo tem dito que esses
contratos são de riscos, e que o risco não pode ser repassado ao
consumidor”, diz Robba.
A mesma Porto Seguro corrigiu em 76,03% o plano contratado por
uma empresa de sinalização viária de São Paulo depois que um dos
sócios desenvolveu câncer. Antes, tentou não bancar a quimioterapia
solicitada pela família. O plano também tem mais de 100
beneficiários.
“Quando conseguimos, na Justiça, que a operadora pagasse o
tratamento, pediram o aumento”, diz Maria (nome fictício), mulher
do sócio. “Eles [Porto Seguro] não dizem abertamente, mas dão a
entender que é por isso.”
Em março deste ano, uma liminar suspendeu o reajuste. “Apesar de
todas as negociações, nunca disseram como chegaram aos 76,03%”, diz
a advogada Carolina Nogueira Pedroso, do Maurizio Colombo Advogados
Associados. “A cláusula de reajuste por sinistralidade existe, mas
o contrato vem pronto. Você não tem como discutir.”
Sem provas
Aline Perim de Sousa, do Perim e Sousa Advogados, diz que a
Unimed Vitória também não explicou como chegou aos 137,38% de
correção que passou a exigir da Associação dos Servidores do
Departamento Estadual de Cultura do Espírito Santo (Asdec). O plano
tem 38 beneficiários, 22 deles idosos.
“Em nenhum momento trouxeram provas de aumento da
sinistralidade. Não apontaram quem foram as pessoas [que
adoeceram]”, diz Aline. “Os reajustes nos anos anteriores foram de
8,87% e de 5,5%.”
O Tribunal de Justiça do Espírito Santo barrou o aumento em
janeiro de 2013. Para o desembargador Lyrio Régis de Souza Lyrio, a
Unimed Vitória agiu contra “os princípios contratuais de boa
fé.”
A desembargadora Lucila Toledo, do TJ-SP, também considerou
abusiva a conduta da Amil. Em dezembro de 2012, a operadora
comunicou à empresa Textil Corti Lester que reajustaria o plano em
73,8%, retroativo a junho. E que, em fevereiro, rescindiria o
contrato.
“A informação do reajuste ocorreu por meio de uma simples
correspondência eletrônica”, diz Aline Haipek, da Haipek Advogados.
A Amil também não teria comprovado como chegou ao percentual.
A Amil disse que não comenta decisões judiciais, assim como a
Unimed Vitória, que também ressaltou cumprir as regras da ANS. A
Porto Seguro diz diz aguardar intimação oficial sobre o primeiro
caso dos 98%, e que apresentou defesa e aguarda o julgamento da
ação dos 76,03%.
As operadoras já têm pressionado para que o reajuste dos planos
individuais seja maior em 2013 do que os 7,93% definidos em 2012.
Um dos argumentos é que o índice de sinistralidade – o total gasto
com atendimento dividido pelo total das mensalidades pagas –
atingiu o recorde de 85% em 2012 entre os planos
médico-hospitalares.
“Está bem além dos 75% que a própria ANS recomenda como índice
de normalidade . Tudo isso indica uma necessidade de um reajuste
considerável para os planos de saúde”, diz José Cechin,
diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar
(Fenasaúde), que reúne 15 grandes grupos do setor.
Cechin diz desconhecer, porém, qual tem sido o aumento médio
aplicado aos planos coletivos. “Não temos acesso a essa
informação”.
A ANS, que obrigatoriamente deve ser informada sobre tais
índices de correção, não os divulga. A agência argumenta ainda que
o aumento da sinistralidade não necessariamente significa que o
índice de reajuste tenha de ser maior.
Sobre correções elevadas nos planos coletivos, como as
levantadas pela reportagem, o órgão afirma que que tem acompanhado
o “movimento de mercado”, mas que não há previsão de mudanças na
metodologia de reajustes dos planos coletivos.
A agência diz ainda que os índices aplicados aos planos
coletivos, quando são muito discrepantes, ficam de fora da conta
para definir o reajuste dos planos individuais. Por fim, argumenta
que a mensalidades e aumentos representam apenas 5,4% do total de
reclamações recebidas.
“Não fizemos reclamação à ANS porque a agência não tem muita
efetividade nas ações [de regulação] dela. Quem tem feito uma
atuação efetiva para defender o consumidor é o Judiciário”, diz o
advogado Robba, que atuou em um dos casos contra a Porto
Seguro.