A Amil e demais operadoras de saúde do País conseguiram uma
importante conquista numa das principais disputas jurídicas sobre
reajuste de mensalidades em plano de saúde. A Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS), responsável por regular o setor, ajudou a
empresa no processo.
A conquista foi a inclusão de um parágrafo que considera legal o
reajuste por sinistralidade numa decisão tomada em julho na 6ª
Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJ-SP). Esse critério de reajuste permite que as operadoras
aumentem as mensalidades quando os beneficiários recorrem aos
serviços de saúde. Ou seja, usou, pagou.
A decisão ocorreu num processo movido pelo Ministério Público de
São Paulo (MP-SP) contra a Amil Assistência Médica Internacional.
Com essa ação, os promotores conseguiram proibir que o principal
braço do maior grupo de saúde suplementar do País, com 6,3 milhões
de beneficiários (9,1% do mercado), aplique esse tipo de reajuste
em todos os contratos que têm com micro e pequenas empresas, já
feitos e que vierem a ser firmados.
A proibição continua em vigor, mas a decisão considerou legal o
princípio de fazer o reajuste por sinistralidade, desde que seja
bem explicado nos contratos.
A Amil informou que não comenta decisão da qual caiba recurso.
Critério polêmico
Advogados de beneficiários e o Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec) consideram que o reajuste por sinistralidade é
ilegal. Como o iG mostrou, a Justiça paulista tem barrado diversos
aumentos feitos com base nesse critério, por considerá-los abusivos
– alguns ultrapassam os 100%.
“Não existe disposição expressa da Lei nº 9.656/1998 [ lei dos
planos de saúde ] permitindo o aumento das prestações em função do
aumento de sinistros”, diz o jurista Arnaldo Rizzardo. "É uma
cláusula cuja validade é no mínimo discutível e que normalmente não
é aceita na jurisprudência dos tribunais."
As operadoras argumentam que o reajuste por sinistralidade é
necessário para permitir o reequilíbrio econômico-financeiro dos
contratos. Impedida pela Justiça de aplicá-lo em parte de sua
carteira, a Amil recorreu formalmente à ANS. A agência, então,
elaborou um parecer para “colaborar” – como diz o texto – com a
avaliação dos magistrados:
“Não há, sob o ponto de vista da regulação, qualquer impeditivo
para a previsão de cláusulas de reajuste baseadas em
sinistralidade” nos planos de saúde coletivos, informa o parecer da
ANS, que chegou às mãos do desembargador Fortes Barbosa, relator do
processo, na véspera do julgamento, ocorrido em 18 de julho.
‘Deu uma aliviada’
O parecer não foi suficiente para reverter a situação da Amil, que
continua proibida de fazer os reajustes por sinistralidade em
contratos com micro e pequenas empresas. Em 18 de julho, Fortes
Barbosa e os os outros desembargadores da 6ª Câmara de Direito
Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negaram pela
segunda vez um recurso da empresa.
O texto da decisão, porém, foi comemorado por advogados do setor
por abrir uma brecha a favor da sinistralidade. Nele, Fortes
Barbosa escreveu que o critério da sinistralidade, “por si só, não
viola a legalidade”.
O problema, argumenta o desembargador, é unicamente a forma como
ela está prevista no contrato da Amil.
“A repercussão é muito positiva”, afirma a advogada Tatiana Tiberio
Luz, sócia da área cível do Nomura, Riva, Luz, Bressanim e Yoo
advogados, que tem uma grande operadora de plano de saúde entre
seus clientes. “O acórdão, que reconhece que ‘considerar a
sinistralidade para o fim de reajustes em mensalidades, por si só,
não viola a legalidade’ vai ao encontro não só dos anseios das
operadoras de plano de saúde, mas também da sua necessidade”,
diz.
Para uma pessoa com profundo conhecimento do caso, Fortes Barbosa
“deu uma aliviada”, embora tenha mantido a condenação da Amil.
A atuação da ANS em processos judiciais dos quais não é parte é
permitida por lei. Para Juliano Maranhão, sócio do escritório
Sampaio Ferraz e responsável por uma pesquisa sobre eficiência e
problemas na revisão judicial de atos de agências reguladoras e do
Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), é até
positiva.
"Acredito ser salutar que as agências ao menos participem do
processo judicial, buscando expor as razões técnicas e de políticas
públicas da regulação que for objeto de questionamento, de modo a
contribuir para a formação da convicção do magistrado", diz
Maranhão.
Mas a intervenção causou alguma estranheza na 6ª Câmara de Direito
Privado do TJ-SP, onde o processo foi avaliado, segundo o iG
apurou. E levantou questionamentos fora dela.
"Ninguém entra num processo sem interesse. Se a ANS enviou uma
carta, ela tem interesse em demonstrar como as regras são ditadas
pela lei dos planos de saúde. Mas há também o interesse do
consumidor, que é regulado pela lei do consumidor", diz um promotor
de outro Estado, que pediu para não ser identificado por não atuar
no processo.
Para Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP
(Universidade de São Paulo) e integrante do conselho diretor do
Idec, a intervenção é um sinal da proximidade excessiva entre a
agência reguladora e as empresas.
“Vindo da ANS, esse parecer enviado ao Tribunal é lamentável, mais
uma prova de que a agência foi capturada pelo mercado que ela devia
regular. O atual escândalo da nomeação de mais um diretor da ANS
como representante de planos de saúde [ Elano Figueiredo ] ilustra
bem o quanto a ANS está a serviço das operadoras e não dos
cidadãos”, diz Scheffer.
Por meio de nota, a ANS informou que atendeu a um pedido da
representação da Advocacia-Geral da União (AGU) junto à agência e
que “operadoras, beneficiários e prestadoras de serviços podem
acionar a ANS sempre que precisarem de informações de seu interesse
ou de parecer-consulta”.
A agência reguladora não enviou, entretanto, exemplos de pareceres
elaborados a pedido de beneficiários. Mas disse que não se
posiciona a favor da operadora ou do consumidor e sim “em defesa do
interesse público na saúde suplementar.”
Amil continua condenada
A procuradora de Justiça Deborah Pierri lembra que o MP-SP não
pediu o fim da sinistralidade como um todo no processo, e sim a
nulidade da cláusula nos contratos da Amil. E que isso foi
conquistado.
“Ele [ o desembargador ] não modificou [ a decisão anterior ]. É só
uma forma diferente de dizer que a cláusula é nula e acabou”, diz a
procuradora ao iG .
Para Deborah, o processo tem outro problema: o desembargador
limitou o ressarcimento devido pela Amil aos beneficiários que
tiveram reajuste por sinistralidade, mesmo sem a operadora
pedir.
Para o MP-SP, todo o dinheiro pago a mais em razão dos reajustes
por sinistralidade deve ser devolvido aos beneficiários. Fortes
Barbosa, porém, estipulou como data inicial 24 de novembro de 2011,
quando a ação chegou à Justiça.
“Vamos buscar certamente o reconhecimento de que houve um exagero
na modificação da sentença e nem sequer foi pedido expressamente
algo parecido [ pelos advogados da Amil ]”, diz a procuradora.