Durante a crise que culminou, em
outubro, com a obrigação de se desfazer de seus 740 mil clientes, e
sob acompanhamento presencial de um representante do governo
federal, a Unimed Paulistana turbinou os adiantamentos a
fornecedores diversos. A prática, que não é ilegal em si, foi
questionada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS),
segundo um documento obtido pelo iG, e pode ter contribuído para
mascarar a real situação da operadora, que deixou na mão milhares
de beneficiários e cerca de 2,5 mil médicos cooperados.
No fim de 2014 – cerca de 1 ano
antes, portanto, de de ser reconhecida como financeiramente
inviável pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – a
Paulistana declarou ter R$ 87 milhões em adiantamentos diversos, um
aumento de 680% ante os R$ 11 milhões declarados no final de 2012 –
ano a partir do qual os adiantamentos diversos passaram a ser
declarados exatamente da mesma forma nas demonstrações contábeis
divulgadas pela ANS.
Na contabilidade, tais
adiantamentos servem para abarcar pagamentos feitos por uma
companhia por bens ou serviços a receber e que não cabem em outras
linhas, como estoques ou antecipações a trabalhadores.
Ao atingir R$ 87 milhões no final
de 2014, os adiantamentos diversos da Paulistana não só destoaram
em muito desses itens – os estoques, à época, somavam R$ 5,5
milhões, e os adiantamentos a funcionários, R$ 1,2 milhão – como
superaram os R$ 51,4 milhões de patrimônio imobilizado da
operadora, o que inclui os hospitais e equipamentos usados no
atendimento ao público.
Parte do aumento decorreu da
assinatura de um contrato de gestão de um hospital em Bragança
Paulista, cidade do interior paulista, firmado em 2013, quando 86%
dos clientes da Paulistana estavam na Região Metropolitana de São
Paulo. Pelo negócio, a Paulistana contabilizou como adiantamentos
R$ 18 milhões.
Procurada, a Paulistana não
comentou os dados e a ANS atribuiu a responsabilidade ao gestores.
O advogado do presidente da operadora até o primeiro trimestre
deste ano alega que todos os adiantamentos foram legais,
transparentes e serviram como alternativa ao aumento dos juros
cobrados pelos bancos.
Adiantamentos
turbinados
Antecipações a fornecedores da
Unimed Paulistana disparam em meio à crise e superam o patrimônio
imobilizado da operadora
Fonte: ANS; elaboração da
reportagem
Alta continuou apesar de
alerta
A escalada dos adiantamentos
acendeu um alerta no Conselho Fiscal da operadora que, no parecer
sobre as contas de 2014, pediu a “regularização imediata” da
situação. A prática, entretanto, continuou em 2015.
No primeiro trimestre deste ano, os
adiantamentos atingiram R$ 104 milhões, quase dez vezes mais que o
registrado no final de 2012 e o equivalente a 7% dos ativos da
Paulistana. O valor recuou no segundo trimestre, mas para um valor
ligeiramente superior ao do final do ano passado: R$ 88 milhões.
Não há dados para o 3º trimestre.
A ANS, que desde 2009 mantém um
diretor fiscal na Unimed Paulistana para acompanhar as contas da
operadora, também torceu o nariz. Em relatório obtido pela
reportagem, o órgão regulador cobra “detalhadas informações” sobre
os valores declarados na rubrica “adiantamentos fornecedores
diversos”, pois, argumenta, “são expressivas as variações”
apresentadas ali.
Questionada se as explicações foram
feitas, a ANS alegou que os dados são sigilosos.
“Ressaltamos que as questões
administrativas e contábeis da Unimed Paulistana são de
responsabilidade dos seus administradores, que são responsáveis por
todos os atos da administração”, informou a agência, em nota.
“Eventuais irregularidades cometidas por uma operadora são, ao
final do processo, devidamente investigadas por uma comissão de
inquérito e seus administradores, responsabilizados.”
Para pesquisador, prática
mascara contas
Assessor de conselhos fiscais de
Unimeds por 11 anos e pesquisador da Fecap e da PUC-SP, Ivam
Ricardo Peleias diz que os adiantamentos declarados pela Paulistana
não são normais, tanto pelo tamanho quanto pela escalada nos anos
recentes.
“Independentemente do tamanho do
faturamento [da operadora], é muita coisa”, diz. “Isso é um
comportamento anômalo e comportamento anômalo merece uma boa
resposta.”
Peleias afirma que, a princípio, a
prática não fere nenhuma regulamentação da ANS sobre a
contabilidade operadoras de saúde. Mas, ao declarar milhões de
reais como adiantamentos – e, portanto, como ativos –, a Unimed
Paulistana pode ter escondido gastos ou prejuízos de seus
cooperados e da agência.
“A depender da natureza, você deve
reclassificar esses adiantamentos como estoques ou imobilizado, ou
então, reconhecê-los como despesas ou perdas, o que piora o
resultado da Unimed”, diz o pesquisador. “Ou seja, eles precisam
dar uma resposta se isso é um ativo bom, um ativo podre, ou se
seriam despesas ou perdas porventura não reconhecidas no
resultado.”
Segundo Peleias, o não
reconhecimento dos valores como despesa ou perda no resultado
mascara a avaliação econômico-financeira da cooperativa,
especialmente os índices de liquidez, de lucratividade e de
rentabilidade.
“Admitida a hipótese de que os
cooperados, os clientes e a sociedade não estariam acompanhando a
situação econômico-financeira da cooperativa, a não ativação ou não
dedução desses valores no resultado transmitiria a impressão de que
o patrimônio e o resultado da cooperativa estariam melhores do que
efetivamente estão”, afirma.
Transparência
Advogado de Paulo José Leme de
Barros – que presidiu o conselho de administração da Unimed
Paulistana até o primeiro trimestre deste ano –, Mario Thadeu Leme
de Barros Filho afirma que os adiantamentos são transações legais
orientadas pela direção-executiva da corporação “aprovadas pelo
Conselho de Administração, validadas pelo Conselho Fiscal (composto
por membros que hoje fazem parte da Diretoria Executiva da Unimed
Paulistana), auditadas e aprovadas em Assembleia de
Cooperados.”
Barros Filho argumenta também que
os dados sobre os adiantamentos são transparentes. e estão lançados
no balanço da empresa. “O aumento da referida transação aconteceu
em decorrência da busca de alternativas diante da alta de juros na
captação de recursos no sistema financeiro”, afirmou o advogado, em
e-mail.
Sobre o hospital de Bragança
Paulista, Barros Filho alega que a decisão foi “acertada diante da
estratégia de ter mais opções de atendimento à população.”