A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) prepara novas normas para planos de saúde com coparticipação e franquias, modalidades em que o usuário paga à parte um valor por cada procedimento ou arca integralmente com certas despesas.
Hoje, cerca de 50% dos usuários de planos no país já têm coparticipação ou franquia nos contratos, mas as regras, instituídas antes da criação da ANS, não são claras e foram estabelecidas pelos próprios planos, o que traz riscos para o usuário.
Entre as mudanças que serão discutidas em audiência pública nesta segunda (20) no Rio, há a proposta de limitar em até 40% o valor da coparticipação e isentar exames preventivos e tratamentos de crônicos dessa norma.
Com a crise econômica e a perda de 2,5 milhões de usuários em dois anos, os planos veem nessas modalidades uma forma de cortar custos. Um dos argumentos é que quando o usuário arca com parte do valor de um procedimento, evita usar o sistema de saúde sem necessidade.
Um plano com coparticipação pode custar até 40% menos do que um outro sem ela, o que pode ser um atrativo para determinados grupos, segundo avaliação do setor.
Mas é preciso ter cautela. Para Mario Scheffer, professor da USP e pesquisador do mercado da saúde suplementar, esse tipo de plano é alternativa só para a “população jovem e sadia”.
“Para os idosos e doentes crônicos, que precisam recorrer a procedimentos reiteradas vezes, é um péssimo negócio. Fica muito caro.”
Na sua opinião, mesmo que se estabeleça regras como limitar a coparticipação, o usuário sempre ficará em situação de vulnerabilidade. “As necessidades de saúde são imprevisíveis.”
PREVENÇÃO
Segundo Ana Carolina Navarrete, pesquisadora em saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), as pessoas não têm condições de planejar a longo prazo os custos com a saúde.
“É transferir para o consumidor uma responsabilidade que não é dele. Ninguém pode prever quando ficará doente e quanto isso vai custar.”
Outro problema do plano com coparticipação, segundo ela, é não privilegiar ações de prevenção. “As pessoas retardam a procura por serviços de saúde, só acionam quando têm algum problema mais sério e evidente.”
Martha Oliveira, diretora de desenvolvimento setorial da ANS, diz que a nova norma dará mais segurança e transparência aos contratos (leia texto nesta página).
“Hoje as pessoas não sabem quanto vão pagar, como será o reajuste da tabela. Agora vão poder simular e ter noção desse valor antes da compra e de usar o plano.”
Segundo Ana Navarrete, usuários de planos com coparticipação hoje enfrentam abusos como ter que arcar com até 50% dos custos após 30 dias de internação. “Isso burla a legislação, não pode haver limite de internação.”
MERCADO
Para Solange Mendes, presidente da FenaSaúde, associação que representa algumas das maiores operadoras de saúde do país, planos com coparticipação ou franquia permitem que o beneficiário opte por um produto mais adequado ao seu perfil.
“Há interesse dos consumidores em adquirir planos com menor preço em troca de assumir uma parcela do risco. É positivo, traz pluralidade para a oferta.”
No caso da franquia, explica, o consumidor pode querer garantir cobertura para tratamentos de alto custo (um câncer, por exemplo) e não se incomodar em arcar com despesas menores (como consulta ou exame simples).
Segundo Solange, esses produtos podem ajudar na redução de custos para o usuário (mensalidades mais baratas) e para o sistema de saúde (com redução de procedimentos desnecessários).
Luiz Augusto Carneiro, superintendente-executivo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), concorda. “No caso da coparticipação e de franquias anuais, estudos demonstram que há diminuição da procura por serviços desnecessários. Ou seja, há redução de custos, porque você elimina o exagero, o cliente é um parceiro no combate ao desperdício.”
Na opinião de Ana Navarrete, é equivocada a premissa do setor de que os usuários de planos utilizam mal os recursos em saúde. “Na esmagadora das vezes, as pessoas usam porque precisam, seguem prescrição médica.”
DISCUSSÃO
Debatidos na ANS desde 2010, planos com coparticipação ou franquia respondem por 33% do mercado, mas nunca tiveram regulamentação própria.
Essa discussão ocorre de forma paralela a dos planos populares, que também preveem essas modalidades.
O tema passará por audiência e consulta pública. Só depois é que uma nova resolução será editada.
A partir da nova regra, as operadoras que optarem por vender produtos com coparticipação e franquia serão obrigadas a oferecer aos usuários simulações antes de contratar e utilizar o plano.
Segundo a diretora de desenvolvimento setorial da ANS, Martha Oliveira, a intenção é que beneficiários tenham uma noção sobre o valor que terão que custear na hora de usar o plano, o valor que terão que arcar conforme o prestador e o quanto sua mensalidade vai diminuir.
“Estamos falando de 50% dos usuários de planos no país que hoje não têm garantia, não sabem quanto vão pagar. Agora terão todas as tabelas disponíveis”, afirma.
Há quatro possibilidades de coparticipação: percentual em cima do valor do procedimento pago ao prestador (médico, hospital ou laboratório); percentual sobre uma tabela de valores médios praticados no mercado; valores em real predefinidos para os procedimentos ou um percentual que incide na mensalidade.
“Seja qual for o formato escolhido pelo beneficiário, a regra de coparticipação deverá estar claramente expressa no contrato, explica Martha.
Entre as modalidades de franquia previstas estão as que o beneficiário arca com o custeio das despesas até atingirem um determinado valor e aquela que só passa a incidir quando os procedimentos custarem acima de valor determinado.
Não será permitida franquia e coparticipação em várias situações, como nas quatro primeiras consultas realizadas com clínico geral, em exames preventivos e de pré-natal, além de tratamentos crônicos (câncer, por exemplo).
Martha diz que a agência fez uma revisão “de tudo o que encontrou no mundo” sobre exames e procedimentos que devem ficar fora das regras de coparticipação e franquia. “A norma vem para trazer garantias e transparência.”