Conquistar o carro zero quilômetro é o
sonho de muitos brasileiros. E, para evitar dores de cabeça, e se
precaver em caso de acidentes e roubos, muitos optam por contratar
um seguro como forma de proteger o patrimônio. Entretanto, em
tempos de crise financeira, muitos consumidores têm sido atraídos
por modalidades mais em conta, aumentando o número de pessoas que
contratam o ‘seguro pirata’, como chamam os especialistas. Vendida
por cooperativas e associações de classe, como se fosse um seguro
automotivo, a proteção veicular tem deixado muitos motoristas na
mão na hora de acionar o serviço.
Foi o que aconteceu com o aposentado
Plínio Ferreira da Silva, de 64 anos. Após comprar uma Fiorino zero
quilômetro, em 2010, ele optou por contratar uma proteção veicular
pela cooperativa Unipropas, visto que a cotação do seguro
automotivo sairia muito cara. A mensalidade de R$ 95 mensais foi o
atrativo principal para o aposentado escolher a proteção. Porém, ao
ser roubado em 2011, ele não conseguiu ser ressarcido pela
Associação, e o caso foi parar na Justiça.
— Quando o carro foi roubado descobri
que o rastreador que eles colocaram no meu carro, pelo qual paguei
mais de R$ 300, não funcionava. O carro não foi recuperado e, ao
procurar o escritório deles no Rio, não consegui resolver o
problema. Precisei entrar na Justiça e, mesmo após o ganho de
causa, nunca consegui receber os cerca de R$ 30 mil pelo meu carro
— conta.
Após várias tentativas de contato
telefônico a reportagem não conseguiu contato com a Unipropas. No
site Reclame Aqui, a empresa aparece com 105 reclamações, todas sem
resposta da empresa.
A proteção veicular tem regras
completamente diferentes do seguro automotivo tradicional, vendido
por seguradoras, e um risco alto de, em caso de problemas, o dono
do carro não receber indenização. O presidente do Clube dos
Corretores de Seguros do Rio de Janeiro (CCS-RJ), Jayme Torres, diz
que os principais motivos para o aumento do chamado golpe do seguro
são a falta de conhecimento do consumidor e as propagandas
enganosas utilizadas na comercialização do serviço
— Acredito que a falta de conhecimento
de que não se trata de um seguro seja um dos principais fatores,
porque há casos em que o preço dessa “proteção” é até maior. A
forma enganosa como é feita a divulgação e a comercialização,
passando a imagem de se tratar de uma alternativa vantajosa ao
consumidor, é o que leva a maioria das pessoas a contratarem a
chamada proteção veicular — destaca.
MOTORISTAS NÃO TÊM GARANTIAS
Ficar com o prejuízo em caso de roubo
ou colisão, destacam especialistas, são um dos riscos para quem
contrata a proteção veicular. Isso porque não há garantia de
ressarcimento por parte das empresas, já que neste mercado, não é
preciso constituir reservas financeiras, ao contrário das
seguradoras, que seguem regras da Superintendência de Seguros
Privados (Susep). No caso de cooperativas e associações, não há um
órgão regulador.
— Cooperativas e associações de
classe, mesmo sendo legais, não podem oferecer seguros como dizem
em suas propagandas. A cooperativa, por exemplo, é um encontro de
pessoas, que, no mesmo ambiente e vinculação de interesses, criam
um conjunto associativo para oferecer serviços. Contudo, elas não
têm constituição de reserva e patrimônio suficiente para assumir
riscos — destaca o diretor-executivo da Federação Nacional de
Seguros Gerais (FenSeg) Júlio Rosa.
Segundo a Susep, as empresas que
comercializam a proteção veicular, produto que reúne
características do seguro, sem, contudo, obedecer às regras
estabelecidas pela legislação vigente, não se enquadram no mercado
supervisionado pela autarquia.
Tais empresas, diz a superintendência,
“fazem parte de um mercado marginal de comercialização irregular de
produtos similares a seguros”. Segundo a Susep, elas não cumprem
regras e critérios preestabelecidos pelo Conselho Nacional de
Seguros Privados (CNSP), o que faz com que elas não cumpram seus
compromissos financeiros.
‘JÁ SE PASSARAM CINCO ANOS E AINDA NÃO
VIA A COR DO DINHEIRO’, CONTA O BARBEIRO ROGÉRIO DA SILVA
Eu comprei uma motocicleta em 2012 e,
como o seguro ficaria caro para mim, resolvi contratar uma proteção
veicular. Eu pagava cerca de R$ 85 mensais, um preço muito bom em
relação ao preço da minha moto, que custou R$ 10 mil. Porém, quando
fui roubado no mesmo ano, em São João de Meriti, começou a dor de
cabeça. procurei o escritório da Aspem, associação que ofereceu o
serviço, e eles simplesmente sumiram. Tentei contato de várias
formas, até que desisti e procurei a Defensoria Pública para tentar
resolver o problema. Já se passaram quase cinco anos que fui
roubado e até hoje não vi a cor do dinheiro. Eles sumiram. Perdi a
moto e o dinheiro das mensalidades que paguei. Para comprar outro
moto, muito mais barata, precisei fazer um empréstimo de R$ 4
mil.
SUSEP E MINISTÉRIO PÚBLICO RECEBEM
DENÚNCIAS
A Susep recebe denúncias de
consumidores que contrataram proteção veicular e achavam se tratar
de um seguro, bem como de sindicatos de corretores de seguros e de
seguradoras de todo o Brasil. Atualmente, no âmbito da Procuradoria
Federal junto à Susep há cerca 180 ações civis públicas, nas quais
a Susep é a autora principal, mas há também outras ações movidas
pelo Ministério Público Federal (MPF).
Além disso, no campo da Diretoria de
Supervisão de Conduta da Susep, hoje, há pelo menos 200 processos
administrativos referentes à proteção veicular chamada pela
autarquia de ‘mercado marginal’ em apuração de indícios de
irregularidades. Em relação aos consumidores, a autarquia orienta
que, antes da contratação de qualquer produto de seguro, seja
realizada uma pesquisa sobre a empresa para certificar que ela é
autorizada pela Susep (www.susep.gov.br).
Além disso, destacam especialistas em
defesa do consumidor, o motorista precisa ficar atento e desconfiar
de empresas que oferecem serviços a preços muito a baixo do
mercado.