Bia e Ariane casaram em 2016,
após resolução do CNJ obrigar cartórios a registrarem uniões entre
pessoas do mesmo sexo. Mesmo assim, neste 17 de maio, Dia
Internacional Contra a Homofobia, a equidade está longe de ser uma
realidade, especialmente perante à lei.
Brasil é
um dos poucos países no mundo em que o casamento homoafetivo é
permitido. O matrimônio ou união entre pessoas do mesmo sexo é
reconhecida em ao menos 52 países, segundo dados da associação internacional ILGA (International
Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association), que
monitora as leis relacionadas ao tema há mais de uma década.
Há cinco anos, o Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle externo das atividades
do Poder Judiciário, estabeleceu
uma resoluçãoproibindo que cartórios do país se recusem a
celebrar uniões de casais do mesmo sexo. Uma conquista para os
LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transvestigêneros, Queers,
Intersexuais e outros).
"O casamento, embora seja, sim,
um ato bonito e romântico, é, acima de tudo, uma questão de
direitos. É garantia de cidadania", diz Ariane Laubin, 38 anos,
ao G1.
Em 2016, ela e a companheira Bia
Garbelini, 29, selaram a união em cartório, após um ano e meio de
relacionamento.
Os direitos a que ela se refere
são os estabelecidos no Código Civil, como plano de saúde, seguros
de vida, pensão alimentícia e divisão dos bens adquiridos em caso
de separação e divórcio ou morte.
Em cinco anos, 972 registros de
casamento civil homossexual foram feitos no Rio Grande do Sul, de
acordo com o Tribunal de Justiça do estado. Mesmo assim, neste 17
de maio, Dia Internacional Contra a Homofobia, a equidade está
longe de ser uma realidade, especialmente perante à lei.
Isso porque não há uma
legislação sobre o casamento gay no Brasil. A advogada Maria
Berenice Dias, especialista em direito homoafetivo e de família,
ressalta que resolução não é lei.
"A Justiça
pode até conceder direitos e baixar normas como essa, que é
administrativa, mas não é uma lei, e por isso, inclusive, pode ser
revogada. Não tem lei sobre isso e isso depende do legislador",
explica a desembargadora aposentada.
"Existia uma demanda contida e
quando houve essa resolução, houve uma demanda ainda maior. Mas não
tem lei. A questão avança, mas não tanto", observa.
Atualmente tramita no Senado um
projeto de lei que altera o Código Civil para reconhecer a união
estável e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O Código Civil
atualmente classifica como entidade familiar "a união estável entre
o homem e a mulher".
Pelo projeto, essa definição
fica alterada para "união estável entre duas pessoas". Trechos da
lei que se referem a "marido e mulher" são alterados para "duas
pessoas" ou "cônjuges".
Autora do projeto de lei, a
senadora Marta Suplicy (MDB-SP) argumenta que somente uma lei dará
"segurança jurídica" a essas uniões e evitará possíveis
contestações à celebração dos casamentos.
A proposta, porém, enfrenta
resistência por parte de alguns parlamentares. Não há previsão para
votação.
Medo de perder direitos antecipou casamento
O casamento de Bia e Ariane foi
antecipado em um ano, sendo realizado alguns meses depois de elas
decidirem morar sob o mesmo teto. Segundo Ariane, que já foi
ativista da ONG Somos, organização de luta pela diversidade, o
momento político da época, considerado desfavorável para a
comunidade LGBTQI+, motivou a decisão.
"A gente tinha planos de casar
no papel já, mas a ideia era que isso acontecesse em 2017, com
bastante planejamento, para que nossas famílias estivessem
presentes na festa. Mas a questão política mudou isso", explica.
Elas casaram no dia 21 de outubro de 2016.
"Sabemos dos direitos que
conquistamos e que poderíamos perder. Um deles é esse, de podermos
casar em cartório, como qualquer outro casal. A gente tinha medo e
por isso decidimos adiantar. Foi um ato político mesmo", aponta
Ariane.
A união foi oficializada no
cartório de registro civil da 4ª Zona de Porto Alegre - o primeiro
do Brasil a realizar uma cerimônia homoafetiva nos mesmos moldes de
uma hetero, seguida de uma festa para familiares e amigos mais
próximos no apartamento do casal.
"A gente fez tudo como manda o
ritual: casamento no cartório, festa, lua de mel. Tem que se falar
mais sobre isso, sim. As pessoas que estão juntas deveriam procurar
mais a garantia de seus direitos. Como esse, de ir no cartório e
ser uma família diante da lei", considera ela.
Casadas e mães de uma menina
As duas se apresentam como mães
de Sofia, de 10 anos, filha biológica de Bia. Foi ela quem entregou
as alianças no dia do casamento. Desde cedo, a menina foi
apresentada a essa configuração familiar com naturalidade.
"A gente teve sorte. Dos dois
lados, nossas famílias sempre foram muito tranquilas com quem nós
somos", pondera Ariane.
Antes do casamento, Bia era a
única mãe de Sofia. Agora, Ariane também participa dos eventos
escolares. Mas a menina já teve que mudar de colégio por conta de
constrangimentos com a instituição.
"Na escola anterior, quando eu
entrei como a outra pessoa responsável pela Sofia, que buscava, que
ia nas reuniões e nas festinhas, houve um problema com professores
e diretores. Por isso, mudamos de escola. Na nova, desde o início a
gente se apresentou com as duas mães da Sofia. E isso foi aceito,
foi maravilhoso", considera.
Ariane lembra do dia em que
presenciou a apresentação de um trabalho do grupo de Sofia que
tratava sobre família. Foi surpreendida com a abordagem do
tema.
"Era um dos primeiros
trabalhinhos em grupo, uma espécie de feira de ciências. O grupo da
Sofia fez um trabalho sobre família e dizia que família pode ser
formada por pai e mãe, mãe e mãe, pai e pai. Ou seja, incluíram a
nossa família no trabalho. Conversaram sobre isso em sala de aula.
Não houve vergonha nenhuma. A gente sente nossa família muito
inserida naquele ambiente. Mas a gente sabe que a gente teve
sorte", reconhece.
Medo da violência a qualquer momento
Apesar do bom exemplo dado na
escola de Sofia, a homofobia é uma realidade. Andar de mãos dadas,
por exemplo, é uma situação comum, que faz parte da rotina de
muitos casais.
Porém, essas demonstrações
públicas de afeto não são tão comuns assim a Bia e Ariane, ao menos
em alguns lugares. Onde moram, por exemplo, elas ainda evitam "se
expor" aos vizinhos.
"A gente ainda se preocupa em
não trocar carinho, mesmo um beijo de tchau no portão de casa, com
medo de que alguém passe, veja, e nos marque. É complicado, esse
comportamento está tão impregnado na sociedade, até na gente, que a
gente nem percebe", analisa.
"A gente
sabe que pode sofrer violência a qualquer momento. Mas é importante
seguir. Eu costumo dizer que a gente vive numa bolha. Até para se
proteger um pouquinho, sabe?", afirma Ariane.
Essa proteção poderia vir em
forma de lei. "É importante dizer que um ponto absolutamente
significativo nessa questão toda é a criminalização da homofobia. A
Justiça vai até onde pode ir. Mas ainda não consegue punir crimes
dessa natureza", sustenta a desembargadora.
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