A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula o setor de planos de saúde no país, está dando os toques finais na norma que vai regulamentar, a partir do segundo semestre deste ano, a cobrança de franquia e coparticipação pelas operadoras, que deve ter início em 2019, apenas para os novos contratos.
O assunto causa polêmica, principalmente entre entidades de defesa do consumidor, que alegam que as mudanças não foram devidamente debatidas com a sociedade e que elas podem prejudicar os usuários.
Ambas as modalidades já estavam previstas em resolução do setor, de 1998, mas não tinham regras bem-definidas. A coparticipação vem sendo praticada por muitas operadoras, mas os atuais critérios de cobrança dependem de negociação entre empresa e cliente. Já a franquia, por falta de normas específicas, não é adotada na prática.
No caso da franquia, a ideia é fazer com que a operadora pague a partir de um valor predeterminado. Ela funcionaria de forma similar ao que ocorre no caso do seguro de veículos: se a franquia for de R$ 200, por exemplo, procedimentos até esse valor feitos pelo usuário não são custeados pelo plano de saúde. Se for acima disso, o consumidor paga o valor da franquia e a operadora, o restante. No caso da coparticipação, a proposta é estabelecer um teto de até 40%, superior aos atuais 30%. Isso significa que, caso um procedimento custe R$ 1.000, quem tem convênio só poderá pagar até R$ 400.
As novas regras pretendem estabelecer também uma lista de procedimentos que não poderão ser alvo de coparticipação e franquia. Entre eles estariam quatro consultas com um médico generalista (pediatria, clínica geral, médico de família, geriatria ou ginecologia) a cada 12 meses, exames preventivos (mamografias, lipidogramas, hemogramas e teste de glicemia), tratamentos crônicos (hemodiálise, quimioterapia, radioterapia) e exames do pré-natal (ultrassonografias, testes para HIV e sífilis), entre outros. Também seria proibida a cobrança de coparticipação e franquia em um mesmo procedimento.
Penalização. Entidades de defesa do consumidor, porém, se opõem às propostas e cobram a realização de nova consulta pública para discutir o assunto. “Idosos e pessoas com doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, câncer e bronquite, por exemplo, que usam muito o plano, podem ser penalizados”, afirma a advogada e pesquisadora do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Ana Carolina Navarrete.
Além disso, segundo ela, as mudanças retiram qualquer possibilidade de prever o custo final do plano, que passará a depender do uso da franquia e da coparticipação. “Quando uma pessoa contrata um plano, a ideia é tornar previsíveis os gastos que ela terá com saúde. Porém, com esses instrumentos, ela não conseguirá se planejar”, explica a advogada. “As consequências para o consumidor de um plano com esses mecanismos são enormes. Além de envolver um grande potencial de endividamento, há a possibilidade de o paciente optar por não realizar um procedimento relevante para sua saúde”, conclui.
Mecanismos já são utilizados, diz ANS
Procurada pela reportagem, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) não disponibilizou ninguém para comentar o assunto. Por meio de nota, informou que “os mecanismos financeiros de regulação – coparticipação e franquia – são aplicados nos contratos de planos de saúde há muitos anos e têm previsão expressa na Lei 9. 656/1998 e na Resolução do Conselho de Saúde Suplementar (Consu 8, de 1998), editada antes da criação da ANS, que contém regras genéricas e abertas, com lacunas que causam insegurança jurídica e imprevisibilidade aos consumidores”. Explicou também que “a contratação de um produto que contenha os mecanismos de coparticipação e/ou franquia é facultativa, ou seja, o consumidor só contrata planos de saúde com essas características se entender que é mais vantajoso para si”.
Ainda segundo a ANS, “estudos referidos na análise de impacto regulatório realizada apontam que o preço das mensalidades de planos de saúde que têm coparticipação e franquia entre suas características podem ser reduzidos em aproximadamente 20%”. Por fim, diz que a proposta, se aprovada, somente será aplicada aos contratos que forem firmados após a vigência da nova norma e em nada afetará os já existentes”.
Associação fala em plano mais barato
Também por meio de nota, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirmou que a proposta tem como objetivo modernizar uma norma que já existe há 20 anos. “A modernização é imprescindível para o beneficiário, pois possibilita a oferta de novos planos de saúde no mercado. É importante ressaltar que os planos como conhecemos hoje não mudam, continuarão disponíveis”, diz a associação.
Ainda segundo ela, “estudos apontam que os planos com modelos de franquia e coparticipação têm uma redução entre 30% a 40% no preço final”.
Preocupações
Restrição de acesso a procedimentos mais caros.
Aumento dos casos de judicialização.
Potencial de maior endividamento dos usuários.
Falta de compreensão dos contratos, especialmente quando a franquia e a coparticipação estiverem acumuladas.
Pagamento integral do procedimento, mesmo o consumidor possuindo um plano de saúde.
Pouca oferta de planos de saúde sem esses mecanismos.
Penalização de usuários idosos e com doenças crônicas, que precisam utilizar os serviços do plano de saúde com maior frequência.