Cerca de 5,3 milhões de
carros são cobertos pela proteção veicular no Brasil, segmento
movimentou R$ 7,2 bilhões no ano passado Foto: Roberto
Moreyra/Agência O Globo
Segmento não tem regulação e
desde 2015 já existem 353 ações civis públicas sobre o
tema
Dezesseis entidades do setor de seguros, encabeçadas pela
Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), promovem uma
campanha de alerta sobre os riscos da proteção veicular. Vendida
por associações como se fosse seguro, a proteção veicular é mais
barata do que o serviço tradicional, mas não oferece as mesmas
garantias.
Site
(www.seguroautosim.com.br),
vídeos e cartilha — com um comparativo entre o seguro de automóveis
e a proteção veicular — fazem parte do material desenvolvido pelo
setor para alertar os brasileiros sobre as diferenças entre os dois
produtos.
Considerado um mercado paralelo, por não ter regulação, o segmento
acumula, desde 2015, 353 ações civis públicas movidas pela
Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão responsável
pelo controle e fiscalização do mercado de seguros, em parceria com
o Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a Agência de Autorregulamentação das Entidades de
Autogestão de Planos de Proteção Contra Riscos Patrimoniais
(AAAPV), há 2.500 sociedades mútuas no país, que movimentaram R$
7,2 bilhões em 2020, com cobertura para cerca de 5,3 milhões de
veículos.
Durante a pandemia, segundo a Associação Brasileira de Procons
(Procons Brasil), aumentaram as reclamações contra a proteção
veicular.
—
Acho que o aumento das queixas está diretamente relacionado à perda
de renda das famílias e à busca de alternativas mais baratas.
Quando os problemas acontecem, no entanto, há resistência das
associações em cumprir o que determina o Código de Defesa do
Consumidor, sendo difícil firmar acordos. E, quando eles acontecem,
nem sempre são horados — relata Filipe Vieira, presidente da
Procons Brasil.
“O consumidor não tem
informação suficiente. Compra pelo que vê e reclama daquilo que não
viu. Há três riscos: não receber a indenização, ter que pagar mais
do que o previsto e, se tudo der errado, a dificuldade de ter a
quem reclamar”
Risco de não
receber
Danilo Silveira, diretor executivo da Federação Nacional de Seguros
Gerais (FenSeg), lembra que a proteção veicular começou nos anos
1980 entre caminhoneiros, em Minas Gerais. De lá para cá, as
associações não somente massificaram a atuação, como ampliaram o
leque de ofertas para ramos como vida, previdência e residencial. E
alerta:
Na
proteção veicular, não há transferência de risco ou gestão de
risco. É o próprio associado que assume sua proteção. Ele assina um
contrato de responsabilidade mútua e divide o risco com os demais
associados. Em caso de prejuízo, é feito um rateio entre todos.
Silveira acrescenta:
— Na prática, o pagamento de
indenização dependerá do caixa da entidade, o que significa um
futuro incerto. Além da mensalidade fixa, há um valor variável,
destinado a cobrir as indenizações, se o caixa da associação não
for suficiente.
Entidades
do setor de seguros promovem uma campanha de alerta sobre os riscos
da proteção veicular Foto: Reuters
Para
Ricardo Morishita, especialista em Direito do Consumidor e
professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), a
questão em discussão é a falta de informação.
— O
consumidor não tem informação suficiente. Compra pelo que vê e
reclama daquilo que não viu. Há três riscos: não receber a
indenização, ter que pagar mais do que o previsto e, se tudo der
errado, a dificuldade de ter a quem reclamar. A mútua pode existir,
mas com características muito definidas, tanto quanto o
associativismo, como restrição geográfica. Ao vender massivamente,
essas instituições descaracterizam ambos. O caminho é a regulação —
diz.
A regulação também é o caminho
defendido por Marcio Coriolano, presidente da CNseg:
— O
que propomos não é que deixem de existir, mas que haja um
regramento. A solução seria uma regulação como a feita para os
planos de saúde, em 1998, que tem regras proporcionais. Para um
plano de autogestão, por exemplo, a exigência é diferente daquela
feita a grandes operadoras. Antes da lei, o setor de saúde sofria o
mesmo problema — lembra o executivo.
Há
vários projetos em tramitação no Congresso Nacional sobre a
regulação do segmento. O mais adiantado é o PLP 519/2018. Para Raul
Canal, presidente da AAAPV, que representa cerca de 300
associações, seriam necessários ajustes para que a lei atendesse as
entidades do setor.
A
agência ingressou como amicus curiae em todas as
ações em curso na Justiça e diz estar conversando com a Susep e o
MPF, em busca de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que
defina regras claras.
Canal afirma que a AAAPV orienta que as associações sigam o
entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e restrinjam a
atuação a pequenos grupos de pessoas. Ele ainda acrescenta:
—Se
houver alguma indução ao erro, que leve o público a confundir a
proteção veicular com o seguro, a divulgação é retirada do ar pelo
nosso Tribunal de Ética.
Desregulamentar é
opção
Igor
Lourenço, diretor da Susep, diz que a agência reguladora atua em
duas frentes: uma é a de repressão ao que o mercado denomina de
“marginal”; a outra é a desregulamentação do setor, permitindo que
as seguradoras lancem produtos mais baratos para concorrerem com
esse mercado paralelo.
— A desregulamentação permite a
oferta de produtos mais simples, mais baratos, atraindo pessoas que
não poderiam adquirir o produto tradicional. Diminui
o gap de preço em relação à proteção veicular. O
importante é que as pessoas comuniquem à Susep quando tiverem
problemas e verifiquem se estão negociando com uma seguradora
sempre que tiverem dúvidas — ressalta Lourenço.
Entenda algumas
diferenças
Pagamento:
- O seguro tem um valor anual, que pode ser dividido em 12 meses,
o chamado prêmio. Na proteção veicular, há uma parcela fixa e uma
variável, que dependerá do caixa da associação para arcar com suas
obrigações e exigir o rateio.
Indenização:
- No seguro, a indenização é certa, e o prazo máximo para
pagamento é determinado pela Susep. Na proteção veicular, não há
garantia de recebimento do valor integral da indenização, pois
depende do caixa da associação, podendo o pagamento ser
parcelado.
Risco:
- No caso do seguro, o risco é todo da empresa. Quando se fala em
proteção veicular, o associado compartilha esse risco, ou seja, há
um rateio de prejuízos.
Código de Defesa do
Consumidor (CDC):
- Algumas associações dizem que o CDC não se aplica à proteção
veicular, o que especialistas contestam, pois a venda massificada
descaracteriza o caráter associativista dessas instituições.
Fiscalização:
- O setor de seguros é fiscalizado pela Susep. A proteção
veicular não tem regulador, mas o setor tem uma agência de adesão
voluntária. Para se associar, há regras, como cumprimento de código
de ética e criação de fundo de reserva.
A quem reclamar:
- Em caso de problema com uma
seguradora ou uma associação que comercializa proteção veicular,
deve-se fazer queixa à Susep e ao Procon. Há casos que vão parar na
polícia e na Justiça.