Especialistas defendem políticas públicas e a
inclusão dos cuidados paliativos no currículo das faculdades.
Pesquisa realizada pela consultoria Economist Intelligence Unit
coloca o Brasil em 38º lugar num ranking de 40 países quando o
assunto é qualidade de morte
A resolução que torna possível o
testamento vital, publicada no último dia 31 de agosto, colocou os
cuidados paliativos em evidência no Brasil. A decisão tomada pelo
Conselho Federal de Medicina levou à discussão sobre como cada um
quer ser tratado em um eventual estado terminal.
“Essa questão de agora deixar
disponível ao público geral esse tipo de informação [testamento
vital] gera uma demanda de reivindicação. Eu quero ter uma boa
qualidade de morte, uma boa qualidade de morrer. Uma vez que você
gera isso, as pessoas começam a perceber o que o sistema de saúde
me fornece para ter uma qualidade de morte ou uma qualidade de
saúde mesmo”, explica Renato Rodrigues, enfermeiro da Unidade de
Cuidados Paliativos do Hospital de Apoio do Distrito Federal.
“Se eu falar em qualidade de morte
eu tenho que falar de uma qualidade de saúde ainda de cura. A gente
vê pacientes que chegam em estado gravíssimo porque deixaram de
receber o mínimo necessário. O sofrimento fazia com que o paciente
se aproximasse da morte e não a doença em si”, disse Rodrigues.
Para Dalva Yukie Matsumoto,
diretora da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, ter esses
cuidados antes da morte é um direito que todo cidadão tem. “Pela
Constituição, nós temos direito à uma vida digna e os cuidados
paliativos dizem que a morte faz parte da vida. Então se a morte
faz parte da vida, o cidadão tem direito também à uma morte
digna.”
Segundo Dalva, morte digna, na
avaliação do cuidado paliativo, é uma morte em que você tem o
controle adequado dos sintomas, tem o sofrimento acolhido, possa
ter escolhas e possibilidade de escolhas e possa estar do lado de
seus entes queridos. “Então eu acho que morrer dignamente é morrer
da forma mais natural possível, podendo escolher a forma e tendo
acesso a um local, a medicamento a uma equipe que seja adequada
para atender às suas necessidades”.
Nas maioria das alas de cuidados
paliativos não existem restrições de visitas, todos são bem vindos
e o paciente não precisa seguir uma dieta rigorosa. “Ontem uma
paciente estava desejando comer uma galinha caipira no meio da
tarde. Fomos atrás, não encontramos, mas para o almoço de hoje deu
certo”, disse Anelise Pulschen, coordenadora da Unidade de Cuidados
Paliativos do Hospital de Apoio do Distrito Federal
Cuidados paliativos nas faculdades
Desde o ano passado, o Brasil
elevou os cuidados paliativos na área de atuação médica ligada às
especialidades de clínica médica, cancerologia, anestesiologia,
pediatria, geriatria e medicina de família. Já há esboços de uma
residência na área que pode começar em 2013.
De acordo com Dalva, o foco desta
área de atuação é o controle primoroso de sintomas como dor, falta
de ar, fadiga e náusea. Os cuidados, no entanto, devem abranger
mais sintomas. “A equipe multiprofissional deve saber abordar os
aspectos emocionais, sociais, espirituais porque a gente entende
que o paciente é um todo e se você não cuidar de cada pedacinho
você não consegue melhorar a qualidade de vida e minimizar o
sofrimento”.
Especialistas que lidam no
cotidiano com a iminência da morte defendem que o governo
desenvolva uma política pública para melhorar a qualidade de vida
de pacientes terminais
“A grande maioria dos médicos no
Brasil não tem formação para tratar de dor, não sabe prescrever uma
morfina, um opióide [substâncias naturais ou sintéticas derivadas
do ópio] de forma adequada. Existe um tabu por acharem que morfina
é para quem está morrendo. O mito é reforçado pelo mau uso. Esse é
um grande desafio para gente [médicos paliativistas]”, disse
Dalva.
Pesquisa realizada pela consultoria
Economist Intelligence Unit e publicada pela revista inglesa The
Economist em 2010, coloca o Brasil em 38º lugar num ranking de 40
países quando o assunto é qualidade de morte. O país fica na frente
apenas de Uganda e da Índia. Esse dado indica que o brasileiro em
estado terminal ainda sofre muito no seu processo de morte.
São cerca de 80 instituições
médicas que dispõem dessa área de recurso no Brasil, o que é
considerado pouco pelos especialistas, já que todo paciente
terminal deveria ter acesso a esses cuidados.
“No Reino Unido [primeiro colocado
no índice de qualidade de morte da pesquisa] há um sistema de saúde
pública bastante abrangente. Toda a medicina é regionalizada e
socializada. Todo paciente tem acesso a esses cuidados. As equipes
de assistência domiciliar são regionalizadas, bastante abrangentes
e podem oferecer os cuidados no domicílio do enfermo. Existe ainda
uma política publica que dispensa o medicamento.
Todos os pacientes têm direito a
uma equipe multiprofissional para acompanhá-los em casa. As
enfermeiras têm um poder maior do que os enfermeiros têm aqui no
Brasil. Tem um categoria [de enfermeiros] que pode prescrever
opióides inclusive. Isso facilita muito essa assistência ao
paciente”, explica a médica.
Hélio Bergo, chefe do Núcleo de Cuidados Paliativos da
Secretaria de Saúde do Distrito Federal, diz que o tema ainda é
novo no mundo, no Brasil mais ainda. Ele acredita que o primeiro
passo a ser dado passa por ações educativas. “Nós precisamos fazer
com que cuidados paliativos sejam conhecidos”.