Correr atrás do prejuízo. É assim que o Brasil persegue
a tecnologia e a inovação em diferentes setores, entre eles o da
Saúde. Para compensar o atraso industrial do setor, que torna o
País pouco inovador, impacta a competitividade das empresas
nacionais e traz um déficit total de US$ 12 bilhões, alguns
instrumentos têm sido utilizados pelo governo, entre eles as
Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs). É o que explica o
secretário do Ministério da Saúde, Carlos Gadelha. Por telefone,
ele conversou com a Revista Saúde Business. Veja
os principais trechos da entrevista.
Revista Saúde Business: Como o governo tem trabalhado para
diminuir o déficit de cerca de US$ 4 bilhões (segundo as entidades
do segmento) na balança comercial?
A nossa principal atuação é estimular a produção e o
desenvolvimento tecnológico do País. Costumo dizer que para a
empresa pública, privada, nacional ou estrangeira que queira
produzir ou investir no Brasil, o governo vai dar alta prioridade,
pois temos a política industrial do Plano Brasil Maior, - no qual a
Saúde é uma das áreas mais importantes. O déficit comercial total
da Saúde é de US$ 12 bilhões e temos clareza de que se não
enfrentarmos esse déficit, que na área de equipamentos está na
ordem de grandeza que você citou, não conseguiremos dar o acesso
universal que a população precisa. Então, temos estimulado todas as
nossas políticas com esse foco.
SB: Quais são essas políticas?
Na área de equipamentos existem três instrumentos principais. O
primeiro é o das Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs), no
qual de modo completamente inédito e impensável no País conseguimos
formar parcerias. Só no último encontro do grupo dos executivos do
Complexo Industrial da Saúde envolvemos sete instituições públicas
e oito privadas e, mostrando que estamos completamente abertos a
quem queira investir no Brasil, destas oito privadas, quatro são de
capital nacional e as outras quatro de capital majoritariamente
estrangeiro. Elas envolvem a produção de 15 novos produtos para a
saúde na área de equipamentos e materiais.
Estamos com projetos que, talvez há dez anos, parecessem sonhos
para o Brasil, como marca-passos, stents, equipamentos para
hemodiálise, desfibriladores, monitores multiparâmetros. Nessas
parcerias, nossa relação é sempre com instituições científico –
tecnológicas públicas que se articulam com o setor privado. O
segundo grande instrumento é o de compensação tecnológica, o famoso
“offset”. Com ele fizemos a maior compra de radioterapia do mundo
em um único documento e se condicionou que o vencedor da licitação
desta compra teria de produzir os equipamentos no Brasil, com
projetos de produção em até cinco anos. O terceiro instrumento é o
de margem de preferência. No qual também pioneiramente a área de
equipamentos junto com a farmacêutica fez parte do primeiro
conjunto de setores a terem margem de preferência se a produção for
realizada no Brasil. Ou seja, até 25% de pagamento como margem de
preferência para àquelas empresas que estão gerando emprego, renda
e oportunidades de crescimento no Brasil.
SB: O governo é responsável por cerca de 65% da demanda
nacional, o que o torna um grande player no mercado. Mas a
indústria se diz prejudicada, pois devido à isenção de impostos
para hospitais públicos e filantrópicos, estas instituições optam
por importar produtos, mais baratos em relação aos nacionais. Qual
sua opinião?
Conheço bem essa questão. A mudança envolve o próprio marco legal
existente no Brasil, que rege toda a política de tributação. Só
posso dizer que a gente tem uma articulação muito boa com o setor
produtivo para trabalharmos juntos e em parceria com o congresso
nacional, pois envolve mudança de âmbito legislativo. Mas está
dentro de nossas prioridades, inclusive o programa para o complexo
da saúde envolve a isonomia competitiva. Assim, dizemos que estamos
em “manada” no setor produtivo, que temos de buscar solução para
que haja igualdade competitiva em termos de impostos. Esses
mecanismos de margem de preferência, do “offset” e da PDP, de certa
forma atenuam esse problema, na medida em que eles garantem essa
compensação para a produção no Brasil, seja via acesso ao mercado
público por compras centralizadas – em que não há esse problema de
isonomia tributária – seja via compensação da margem de
preferência. Mas reconhecemos que o problema é legítimo e estamos
junto com o setor produtivo buscando uma solução que extravasa a
governabilidade daqueles no poder executivo.
SB: Os produtos da indústria médica estão em menor quantidade
nas PDPs quando comparados área farmacêutica. Quais são os
critérios?
O importante é ver o filme e não a fotografia. Se olhar o filme, se
percebe que em 2004 quando o Brasil começou a ter [política
industrial] só aparecia a área farmacêutica. Desde que e eu
acompanho a política industrial nos anos 70, nunca a área de
equipamentos e materiais tinha sido colocada como prioridade máxima
da política industrial. Hoje, a indústria de equipamentos, pela
primeira vez na história deste País, se equivale à prioridade da
indústria farmacêutica e o maior reflexo disso é que tínhamos
apenas duas PDPs de equipamentos no passado e hoje nós temos mais
11 PDPs. Portanto, a área que mais cresceu em termos de parceria
foi a área de equipamentos e de biotecnologia, as duas juntas.
Assim, se olharmos o filme, podemos dizer que a área de
equipamentos entrou como prioridade para a política pública como
fato inédito entre 2011, 2012 com a visão do complexo industrial da
saúde, que trata não apenas da farmacêutica, mas também da área de
equipamentos. Agora, o mesmo status, grau de prioridade, os mesmos
instrumentos (PDPs, financiamento do BNDES, Finep, mecanismos de
compensação tecnológica) e incentivos são disponibilizados para a
área de equipamentos e materiais.
SB: Podemos comparar o Brasil com algum outro país no quesito
atraso industrial na área de saúde? Se sim, qual? E em qual país é
inspirada a política de PDPs e desenvolvimento da indústria de
saúde que é liderado pelo senhor na secretaria.
Não há país do mundo que não tenha feito o que os economistas
chamam de “catching up”, que são os países que saem atrasados e
alcançam os desenvolvidos. Se você olhar a história do Japão, da
China, da Índia, da Coreia do Sul, todos que conseguiram alcançar o
padrão tecnológico dos países desenvolvidos utilizando a política
tecnológica ativa para priorizar a produção e a inovação tendo,
invariavelmente, o campo da saúde, talvez não tanto em
equipamentos, mas muito no campo da biologia farmacêutica como
prioridade.
Só que o Brasil tem algo novo em relação ao contexto mundial. Se
por um lado estamos seguindo o padrão daqueles que conseguiram
chegar lá - e nós vamos chegar nos próximos 15 anos com a
continuidade dessa política - temos uma coisa diferente: estamos
associando a política econômica e de desenvolvimento com à política
social e isso só o Brasil tem feito. A Índia tem uma política bem
sucedida para a área farmacêutica, mas um contingente imenso da
população, cerca de 60 a 70% não tem acesso a medicamentos. Aí é
que reside o grande interesse do mercado público, ao mesmo tempo em
que nós estimulamos a produção e a inovação no Brasil, nosso mantra
é inovação e produção para atender toda a população brasileira. Nós
não queremos uma saúde para rico e outra para pobre.