Diretor da Abramge denuncia, em artigo, que o uso de
expediente jurídico é generalizado e visa do acesso a itens banais
a procedimentos não previstos no rol da ANS
Em artigo para a edição de 28/2 do Jornal Folha de S.Paulo, o
diretor da Associação Brasileira de Planos de Saude (Abramge),
Pedro Ramos, aborda o tema da máfia da judicialização da saúde,
que, segundo ele “vem trazendo grandes lucros a fabricantes de
materiais mêdico-hospitalares e a seus parceiros, às custas da
saúde e boa-fê de pacientes em todo território nacional”.
De acordo com Ramos, esquemas envolvendo profissionais da saúde,
advogados e fabricantes de materiais médico-hospitalares buscam
incentivar a busca de “benefícios indevidos na Justiça” por parte
dos cidadãos.
Confira abaixo a íntegra do texto: A máfia da judicialização da
saúde “Eu acuso! Meu dever é de falar, não quero ser cúmplice.
Minhas noites seriam atormentadas pelo espectro do inocente que
paga por um crime que não cometeu.” O trecho, extraído da célebre
carta “J’Accuse”, escrita em 1898 por Émile Zola ao então
presidente francês Fêlix Faure, denunciando irregularidades na
Justiça Militar daquele país, ilustra o ímpeto com que o Brasil
deve encarar a questão da máfia da judicialização da saúde, que vem
trazendo grandes lucros a fabricantes de materiais
mêdico-hospitalares e a seus parceiros às custas da saúde e boa-fê
de pacientes em todo território nacional.
São esquemas em que profissionais da saúde, advogados e
fabricantes de materiais mêdico-hospitalares mancomunam-se para
incentivar o cidadão comum a buscar benefícios indevidos na
Justiça.
O uso desse expediente jurídico é generalizado – visa desde o
acesso a itens banais, como achocolatados diet e papéis higiênicos,
até a procedimentos não previstos no rol da ANS (Agência Nacional
de Saúde Suplementar) ou medicamentos caríssimos que nem sequer são
legalizados no país.
Esse mal, além de sangrar o orçamento para o atendimento na rede
pública, também põe em cheque a saúde suplementar.
Os casos, infelizmente, estão espalhados por todo o país, até
mesmo em instituições reconhecidas, como o Hospital das Clínicas e
o Albert Einstein. No Distrito Federal, a Operação Mr. Hyde revelou
recentemente um conluio envolvendo médicos, enfermeiros, diretores
de hospitais e empresários para a realização de cirurgias
desnecessárias que chegavam a mutilar pacientes utilizando
materiais de baixa qualidade.
É necessário combater o problema por diversos motivos. O
primeiro é óbvio: evitar que o Judiciário seja usado para a
obtenção de vantagens indevidas. O segundo diz respeito à ameaça
que tais procedimentos constituem à integridade física e emocional
de pacientes que, sem saber, tomam parte em negociatas que podem
até mesmo levar à morte.
O terceiro motivo é o impacto financeiro e social dessa
corrupção, uma vez que milhões são desviados de investimentos em
atendimentos básicos de muitos para privilegiar o tratamento em
caráter excepcional de poucos que têm condições de pagar um
advogado.
Antes de mais nada, o sistema de remuneração da saúde deve
evoluir do atual “fee for Service” – pagamentos variáveis conforme
o número de procedimentos e produtos utilizados por médicos e
demais profissionais da saúde- para o padrão DRG, que privilegia a
criação de pacotes de serviços e produtos hospitalares com base em
dados coletados a partir da internação de pacientes.
São muitas as vantagens desse paradigma, como a redução dos
riscos de máfias se articularem por meio do uso de recursos finitos
de maneira irresponsável e a possibilidade de comparar a
assistência realizada por diferentes prestadores e a padronização
dos tratamentos.
E ainda desejável discutir regras mais rígidas em relação à
venda de materiais mêdico-hospitalares.
Atualmente, nos EUA, a Abramge (Associação Brasileira de Planos
de Saúde) está processando alguns dos maiores fabricantes mundiais
desses produtos, cujas filiais comprovadamente tomam parte em
negociações de superfaturamento e uso desnecessário desses
itens.
A ideia é exigir, pelas regras de compliance americanas, uma
atitude mais transparente dessas organizações. No final, o recado é
simples e claro: não há e nunca haverá preço que cubra a saúde e o
bem-estar da população; portanto, qualquer esquema corrupto deverá
ser combatido.
Pedro Ramos é advogado com especialização
em negociação pela Universidade Paris-Sorbonne (França) e diretor
da Associação Brasileira de Planos de Saude (Abramge).