RIO -
Achar uma saída para a crise sem precedentes no sistema de saúde
suplementar, que já tirou 1,6 milhão de brasileiros dos planos de
assistência médica em 12 meses, encerrados em junho, não é tarefa
simples. Iniciativas inovadoras, voltadas à prevenção e outras
especificamente a idosos, têm mostrado que é possível melhorar a
qualidade do atendimento ao consumidor e, ao mesmo tempo,
equilibrar as contas das empresas.
Para além do plano de saúde popular,
sugerido pelo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, a ANS, agência
reguladora do setor, discute com representantes de empresas e
usuários, desde o ano passado, novos formatos para a área.
Debate-se, por exemplo, a mudança da remuneração de prestadores de
serviço, que passariam a ser avaliados pelo resultado de seu
trabalho para a saúde do usuário. Outra alternativa em discussão é
a existência de franquia, como há no seguro de automóveis, para
baratear o custo da mensalidade para o usuário.
—
Hoje, temos uma saúde de altíssimo custo e baixa efetividade.
Precisamos descobrir como garantir, de verdade, que a saúde seja
universal, igualitária e eficiente, com boas perspectivas para
todos. Para a maioria das pessoas, universal quer dizer sem limite,
mas a realidade não é essa. Vamos ter que rediscutir direitos e
deveres e o que é consumo em saúde: é fazer exames, ressonância, ou
ter um bom resultado? — analisa Martha Oliveira, diretora de
Desenvolvimento Setorial da ANS.
DE VOLTA AO MÉDICO DE
FAMÍLIA
Para
Solange Beatriz Mendes, presidente da FenaSaúde, que representa o
setor de saúde suplementar, não há “solução mágica” que torne o
sistema imediatamente sustentável e adequado à realidade
brasileira.
— É
preciso entender e discutir seja o modelo que for: de franquia,
coparticipação, individual, popular. O importante é trazer o
consumidor para esse debate. Hoje, ele é apenas um usuário, paga,
não controla. Nesse sentido, a coparticipação pode ser útil para
uma mudança de comportamento, muito mais do que pela colaboração
financeira. Precisamos combater o desperdício. Não é possível que
brasileiros tenham mais necessidade de ressonância magnética do que
outros povos — exemplifica.
Algumas iniciativas são citadas por especialistas
e empresas como exemplo. A Unimed Guarulhos, pioneira entre as
cooperativas do grupo, adotou um sistema de atenção básica à saúde,
nos moldes do programa médico de família. No primeiro ano de
implantação do projeto, em 2012, a cooperativa reduziu em 63% a
utilização do pronto-socorro e em 35% o custo assistencial. E,
desde então, os custos têm se mantido abaixo dos verificados antes
da implantação do sistema.
—
Quando o atendimento é promovido de maneira contínua, com
orientação ao paciente, sem desperdícios e com intervenções
clínicas realizadas em tempo hábil, melhoramos a qualidade de vida
dos pacientes, os indicadores de saúde, e, consequentemente, isso
gera o equilíbrio econômico e financeiro dos planos — afirma Cloer
Vescia Alves, coodenador do Comitê de Atenção Integral à Saúde
(CAS) da Unimed do Brasil, que incentivou a adoção da prática pelas
suas afiliadas.
A
dona de casa Tânia Fogaça Bernardo conheceu o Núcleo de Atenção
Primária à Saúde da Unimed Guarulhos através de sua irmã
Kezia.
—
Minha irmã é acompanhada pelo médico de família e está satisfeita.
Essa foi meu primeiro atendimento, e gostei bastante — afirma
Tânia, que levou o filho Caio para se consultar na semana
passada.
Para
Vanessa de Souza Silva, também paciente do núcleo, uma das
diferenças fundamentais é o acompanhamento do histórico
médico:
— E
quando tenho um problema, ligo e sou rapidamente atendida. A
consulta é agendada em, no máximo, dois dias.
Andrea Gushken, líder do projeto, diz que não há
segmentação por idade ou sexo para participar do
programa:
— O
alvo são as pessoas, e não as doenças.
MUDANÇA URGENTE
Num
cenário delicado para o segmento, que levou à quebra da Unimed
Paulistana e à crise da Unimed-Rio, o grupo também investe no
modelo médico de família em Vitória, Vila Velha e Aracruz, que
somam 27 mil participantes.
A
mudança do foco para a atenção primária é uma urgência, diz Martha,
da ANS. Ela conta que, há pouco mais de um ano, a agência implantou
o projeto Parto Adequado, que tem por objetivo reduzir o número de
cesárias desnecessárias. Cerca de 40 hospitais aderiram à
iniciativa, e hoje há outros cem querendo entrar no projeto, que
conta com o apoio de 18 operadoras de planos de saúde.
— Tem
que ter atenção básica, mas com articulação da rede. Isso
representa uma forma de operar diferente, como a implementada no
Projeto Parto Adequado. Em seis meses, reduzimos em 20% a
internação em UTI neonatal — exemplifica a diretora da
ANS.
Maria
Inês Dolci, coordenadora Institucional da Proteste — Associação de
Consumidores, que tem participado dos grupos de trabalho da ANS,
reconhece a importância de se encontrar um equilíbrio para as
contas das empresas, mas se preocupa com o fato de que cada vez
mais consumidores são excluídos da saúde suplementar, por razões
como falta de capacidade de pagamento e idade. E mostra preocupação
com a pressão constante das operadoras para uma redução na
regulação do setor:
— É
imprescindível ter um modelo economicamente sustentável, mas isso
não pode significar retrocesso de direitos. Sem dúvida, o foco deve
ser prevenção, gestão inteligente e transparência.
Na
visão da professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da
Universidade Federal do Rio de Janeiro Lígia Bahia, para ser
autossustentável, a assistência suplementar precisa, realmente,
investir mais em saúde:
— As
empresas teriam de sair de um modus operandi de competição pela
venda de planos e entrar no mundo da saúde propriamente dito. Até
agora, atuam como bureau de vendas. Há grandes companhias do setor
que não investem em pesquisa, inovação tecnológica de produtos ou
de processos de gestão.
O
rápido envelhecimento da população é outro desafio, já que os
planos para os maiores de 65 anos são muito mais caros. De olho
nesse público, a ANS vai implementar neste semestre, em 15
hospitais, o programa de atenção básica “Idoso bem cuidado”, focado
na reestruturação da rede de atendimento a essa faixa etária. Foi
constatado que, em muitos casos, o atendimento é inadequado, o que
acaba causando problemas, como intoxicação medicamentosa e
internações repetitivas.
Relegados por muitas operadoras, os brasileiros
acima de 40 anos estão sendo alvo de planos específicos para a sua
faixa etária. Caso da Prevent Senior, com mais de 35 unidades
próprias em São Paulo, que focou a sua atividade em planos
individuais para este segmento, e já tem projetos de expansão. Em
estudo está a entrada no mercado carioca.
—
Como são pessoas que já têm um histórico, por vezes de problemas
preexistentes, a nossa assistência busca entender qual é a melhor
forma de atendê-lo e de trazer mais saúde e qualidade de vida. E,
dessa forma, obtemos um bom resultado médico, sem onerar demais a
mensalidade — explica Fernando Parrillo, CEO da empresa.