O Brasil passou por importantes
transformações em saúde nas últimas décadas, tendo como norte os
valores determinados na Constituição de 1988. Com as conquistas,
vieram também burocracias e processos que não acompanharam a
evolução da medicina e do setor.
Houve uma mudança no perfil epidemiológico do Brasil, que, hoje, é
caracterizado por uma forte prevalência de doenças crônicas. O
câncer já figura como a terceira maior causa de morte, com
tendência de crescimento em termos de impacto social e financeiro.
Em poucos anos, o câncer será a causa número um de morte no
Brasil.
É verdade que tivemos mais avanços nos últimos quatro anos do que
nos 30 anteriores, com o fortalecimento da medicina personalizada.
A partir do rastreamento genético, atacam-se mutações específicas
que bloqueiam a expansão do tumor e, por isso, trazem resultados
mais precisos, principalmente quando o diagnóstico precoce é
possível. Entretanto a disparidade temporal entre a inovação e o
acesso a essas tecnologias pelos pacientes é enorme.
No caso do setor privado, não há clareza nos critérios utilizados
pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para que um
medicamento seja incluído ou não no rol de procedimentos
obrigatórios. Medicamentos de quimioterapia intravenosos são
cobertos pelos planos de saúde, mas o mesmo não ocorre com a
quimioterapia oral.
A lei 12.880, de 2013, determinou a criação de comitês
para ampliar
o debate sobre a incorporação desses medicamentos, mas, de lá
para cá, os avanços foram mínimos. Para ter acesso ao medicamento
oral, o paciente pode ter que esperar pelo menos dois anos, quando
ocorrem as atualizações do rol de procedimentos. Um absurdo
intelectual que me envergonha como cidadão e como médico.
O câncer não espera. Por que não facilitar? Por que não garantir o
mesmo acesso para terapias antineoplásicas orais e intravenosas no
rol de coberturas de procedimentos da ANS? Não há nenhuma razão
lógica para que o medicamento oral, já registrado, tenha de passar
por uma outra revisão. Todas as medicações caem no sangue, não
importa se injetadas ou ingeridas por via oral.
Ciente da necessidade de aperfeiçoar seus processos e se adequar ao
cenário do país, a ANS abriu uma consulta pública para que a
população opine sobre a atualização do rol de procedimentos que
devem ser cobertos pelos planos de saúde, mas as perspectivas de
mudanças são mínimas.
O modelo em debate não permite uma participação mais ativa da
sociedade, assim como não abre espaço para rever processos
fundamentais que impactam a vida de milhões de pacientes, como o
tempo necessário para incorporar uma inovação, quem pode fazer
contribuições e quando.
Com as mudanças propostas pela ANS para os próximos anos, o espaço
que a sociedade civil tem para influenciar temas de seu interesse
fica ainda menor. Isso porque limita os temas sobre os quais se
pode opinar durante a consulta pública.
Ao não permitir que a sociedade acrescente suas contribuições à
proposta da ANS, perde-se o sentido democrático das consultas, além
de privar os beneficiários dos planos de saúde de usufruir de novas
tecnologias que possam surgir após o encerramento da janela para
submissão de novos procedimentos para o rol. É injustificável que o
tratamento de pacientes seja prejudicado pela morosidade dos
processos e falta de transparência da ANS, ainda mais quando há
soluções disponíveis no Brasil que podem trazer benefícios
imediatos.
As consultas públicas são processos de construção conjunta de
políticas públicas entre o governo e a sociedade. Não se deve
subestimar a capacidade da sociedade civil de contribuir com
soluções que tragam maior eficiência e que de fato defendam o
interesse público na assistência suplementar à saúde, conforme
objetivo geral da ANS.
Não existe solução simples para problemas complexos, mas é possível
rever processos ultrapassados e, dessa maneira, garantir
tratamentos mais modernos e eficazes para os nossos pacientes.