O escândalo
da Prevent Senior —envolvendo intromissão na prescrição
médica durante a pandemia, uso de medicação comprovadamente
ineficaz para tratamento da Covid-19 sem autorização de paciente ou
familiar, entre outras denúncias — está tirando o sono de usuários
de planos de saúde, principalmente, dos 545 mil clientes da
operadora paulista, focada no atendimento a idosos.
De março de 2020, quando foi
decretada a pandemia, a agosto deste ano, a operadora aumentou de
471.397 para 545.787 o número de usuários. Desse total, cerca de 5
mil entraram na carteira da operadora depois de junho, quando se
agravaram as denúncias.
Está previsto para quinta-feira
(14) o início da direção técnica da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) na empresa. Um profissional nomeado pelo órgão
regulador vai monitorar o dia a dia da operadora para garantir a
qualidade assistencial e a mudança de protocolos inadequados.
Apesar disso e do fato de
não haver risco iminente de quebra da companhia, especialistas
lembram que quem não estiver confortável em seu plano de saúde tem
na portabilidade uma alternativa.
Período de carência
Por esse instrumento, é possível
mudar de plano de saúde sem perder o período de carência já
cumprido no contrato atual, independente de haver qualquer denúncia
contra a operadora ou de problemas com assistência. Sequer é
preciso justificar a troca.
"O objetivo da direção técnica é
preservar as boas condições assistenciais ao consumidor. Mas é
importante que as pessoas conheçam seus direitos e as
possibilidades que têm diante dessa crise", destaca Matheus Falcão,
especialista em Saúde, do Instituto Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Idec).
"E principalmente que fiquem
vigilantes e denunciem descumprimento de prazo ou cobertura,como
qualquer conduta que pareça irregular", continua.
Para poder lançar mão da
portabilidade, no entanto, é preciso ter um contrato firmado após
1999 ou adaptado a Lei de Planos de Saúde (a 9.656). Para a
primeira troca nesse sistema ainda é exigida a permanência por dois
ou três anos (no caso de quem tem doenças preexistentes) no
contrato original.
Processo burocrático
Apesar de a portabilidade ser
garantida, independentemente de idade e do tipo do contrato do
usuário, o advogado especializado em Saúde, Marcos Patullo, do
escritório Vilhena e Silva, diz que a mudança pode não ser tão
simples quanto a regra faz supor.
"Na prática, o processo é
burocrático. Isso se acentua no caso dos idosos que a maioria das
empresas não têm interesse em ter em suas carteiras. Além disso,
tem o entrave econômico, a dificuldade de achar um plano que
consiga pagar", explica. A escolha do plano de destino também está
restrita a uma lista de contratos compatíveis que são listados pela
ANS.
O preço e a relação entre cliente e
operadora que é estreitada no modelo verticalizado de atendimento,
em que a operadora mantém uma rede própria de hospitais, podem
segurar os usuários da Prevent Senior, apesar das graves denúncias
de desvio de conduta. Fontes do mercado não acreditam numa
debandada de usuários, o que os números da ANS também apontam.
Como funciona a portabilidade
Portabilidade é a possibilidade de
mudar de plano de saúde sem precisar cumprir novamente o período de
carência ou de cobertura parcial temporária exigíveis e já
cumpridos no plano de origem.
O contrato deve ter sido firmado
após 1º de janeiro de 1999 ou ter sido adaptado à Lei dos Planos de
Saúde. A portabilidade é válida para todos os tipos de contratações
(individuais, coletivos empresariais e por adesão).
O contrato deve estar ativo e as
mensalidades, em dia. O novo, para o qual se deseja trocar, deve
ser compatível com o atual, o que pode ser verificado no Guia
de planos de saúde da ANS ( bit.ly/3yJJp9s ).
A primeira portabilidade pode ser
feita após dois anos no contrato de origem ou três se estiver
cumprindo cobertura parcial temporária. O prazo entre
portabilidades deve ser de um ou dois anos, se tiver migrado para
plano com coberturas não previstas no anterior.
Comprovantes de pagamento das três
últimas mensalidades ou declaração de que está quite. Comprovante
de prazo de permanência e relatório de compatibilidade entre plano
de origem e destino, ambos emitidos pela ANS. Se o plano de destino
for coletivo, comprovante de que o usuário está apto a ingressar.
Empresários individuais precisam comprovar a sua atuação.
A operadora do plano de destino
(novo plano) tem até dez dias para analisar o pedido de
portabilidade após envio da documentação. Caso não responda ao
pedido no prazo, a portabilidade será considerada válida.
Após ingresso no plano novo, o
consumidor tem que solicitar o cancelamento do anterior em até
cinco dias. Se não solicitar o cancelamento no prazo, o usuário
estará sujeito ao cumprimento de carências no novo plano por
descumprimento de regras.
Modelo com rede própria não é
vilão
O modelo verticalizado, em que a
operadora de plano de saúde mantém uma rede própria de clínicas e
hospitais, entrou na berlinda após as denúncias sobre interferência
da Prevent Senior nos protocolos médicos de suas unidades.
Especialistas afirmam que não se
pode atribuir ao modelo a conduta inapropriada. No entanto, o caso
serve como alerta para uma vulnerabilidade desse tipo de operação e
pode dar um novo impulso a uma discussão antiga, a da necessidade
de regulação dos prestadores de serviços.
"Economicamente, não há dúvida de
que a verticalização é um modelo mais eficiente, consegue preço
mais baixo, com bons resultados assistenciais. Mas é preciso que a
regulação garanta que o modelo não leve prejuízo à assistência.
Isso não é uma atribuição exclusiva da ANS, mas também de
Vigilância Sanitária e dos conselhos profissionais. O monitoramento
dos prestadores é fundamento para a qualidade assistencial", diz
Matheus Falcão, especialista em Saúde, do Idec.
Para o advogado Marcos Matullo,
crítico contumaz do modelo verticalizado, o escândalo da Prevent
Senior jogou luz sobre a maior vulnerabilidade desse sistema e a
necessidade de monitoramento próximo da ANS para evitar a
precarização do cuidado.
"Sempre vi esse modelo com alto
grau de ceticismo, por entender que há risco dessa intromissão no
tratamento. A tendência de baratear custo é inegável, mas esse
escândalo deixa clara a necessidade de um olhar atento da ANS",
opina.
O professor Walter Cintra Ferreira
Júnior, da FGV EAESP, pondera que verticalização é uma tendência
não só no mercado da saúde e que não é um problema de modelo. "O
modelo não é bom ou ruim, a princípio. O que precisa é melhorar o
ecossistema de fiscalização. Regras, temos".