Segundo expert, é urgente reajustar
consultas e procedimentos dentro de um processo que traga
transparência à valorização do trabalho médico
Em 1988, a nova Constituição brasileira caracterizou o sistema de
saúde do País, o SUS, definindo o papéis dos setores público e
privado, denominado "suplementar" ou o dos "planos de saúde". A
regulação da Saúde Suplementar se inicia, entretanto, 10 anos
depois, com as leis 9656/98 e 9961/2000, esta última, a que criou a
Agência Nacional de Saúde - ANS. Essas iniciativas, contudo, não
eliminaram insatisfações, nem impediram a multiplicação de
conflitos nessa área.
Nos mais de onze anos seguintes a ANS passou a cuidar das
coberturas e das garantias financeiras das operadoras de planos de
saúde. As propostas da ANS voltadas para regulamentação passaram ao
largo das relações entre médicos e operadoras de planos de saúde.
Ao verem coibidas as práticas abusivas que aplicavam aos usuários,
as operadoras passaram a reduzir os custos por meio da
interferência na prática clínica, restringindo intervenções
diagnósticas e terapêuticas. As lacunas no processo regulatório
permitiram que, ano após ano, se ampliasse o descompasso entre
reajustes aplicados aos "beneficiários" e remuneração médica.
Na última década, a ANS tem autorizado reajustes dos planos
individuais, em média, 2% acima da inflação, o que resulta em
acúmulo de 20% no período. Os planos coletivos (80% dos planos de
saúde) são objeto de negociação direta e todos foram reajustados em
valores substancialmente superiores aos concedidos aos individuais.
Tal majoração, porém, não foi considerada com relação a eventuais
reajustes na remuneração médica.
Em 1996, ao analisar diversos elementos que compõem o custo da
consulta, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE)
chegou ao valor de R$ 29. Se esse montante fosse corrigido pela
variação do salário mínimo, deveria ser R$ 130. Caso fosse pelo
Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, seria R$ 70. As
poucas operadoras que reajustaram honorários médicos, dificilmente
remuneram consultas acima de R$ 50. A situaçâo é ainda mais grave
no que concerne aos procedimentos. As empresas têm resistido a
reajustar proporcionalmente os procedimentos médicos e quando o
fazem aplicam reajustes aos que são menos frequentes. Assim, muitos
médicos veem-se obrigados a limitar suas atividades no sistema de
saúde suplementar.
Para solucionar tais graves distorsões, a AMB propôs a utilização
da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos
(CBHPM), que reúne os procedimentos tecnicamente qualificados e os
hierarquiza, para trazer coerência e valorização ao trabalho do
médico.
Foi criado recentemente, pela ANS, um grupo de trabalho para buscar
acordo entre operadoras e médicos. Nesta instância, as empresas
recusaram-se a adotar a CBHPM e a considerar reajustes. Apesar da
Resolução Normativa 71 da ANS exigir que contratos entre médicos e
operadoras incluam cláusulas tratando de critérios para reajuste e
periodicidade de sua aplicaçâo, essas empresas têm sistematicamente
ignorado essa obrigaçâo. Assim cresce a insatisfaçâo e o movimento
em busca da regularização dos contratos se alastra pelo país.
É urgente reajustar consultas e procedimentos dentro de um processo
de hierarquização que traga transparência à valorização do trabalho
médico. O reajuste tem de ser regulado por contrato e balizado pela
lógica de hierarquização incorporada na CBHPM. A ANS deve atuar
como facilitadora desse processo, arbitrando os reajustes. Quando
não for possível, deve participar ativamente do acordo com as
empresas. Mais do que uma prerrogativa da ANS, esta é uma obrigação
que a sociedade espera que seja cumprida.
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