Luiz Henrique Mandetta é médico e
membro da Frente Parlamentar da Saúde; também presidiu a
Subcomissão de Saúde Suplementar
O precursor dos direitos do consumidor
foi o presidente dos Estados Unidos John Kennedy, em 1962, para
proteger o consumidor com base em quatro pilares: direito à
segurança, direito à informação, direito à escolha e direito a ser
ouvido. No Brasil, uma das maiores reivindicações dos consumidores
brasileiros, também como cidadãos, é o acesso ao atendimento à
saúde de qualidade.
Neste mês, surgiu a proposta do Plano
de Saúde Popular, enviada pelo Ministério da Saúde à Agência
Nacional de Saúde (ANS) para decidir sobre a pertinência e a
legalidade, bem como tomar as providências cabíveis. E os
consumidores que clamam por acesso à saúde recebem como presente de
grego três modalidades de contratação: o plano de saúde
simplificado, o plano ambulatorial com hospitalar e o plano em
regime misto de pagamento.
Reunir 20 instituições ligadas à saúde
complementar para apresentar proposta de Plano de Saúde Popular não
poderia gerar um resultado diferente do que foi apresentado à ANS.
A redação foi elaborada pela ótica das operadoras de planos,
pensando no equilíbrio financeiro a ser atingido ao diminuir a
cobertura do plano. Mas esse caminho a história da trajetória dos
planos de saúde no Brasil já mostrou que não funciona.
Primeiro, essa proposta é oriunda de
um grupo de trabalho formado pelo Ministério da Saúde que não tem
competência legal. Esse debate, para ser travado com competência,
deve ser feito na Câmara e no Senado, porque estamos tratando da
Lei 9.656, que foi aprovada em 1998 – uma legislação que surgiu
para regulamentar um setor que era feito basicamente entre partes
interessadas, não havia nenhuma garantia de direitos. Só que a
Medicina evoluiu a passos largos com as novas tecnologias e o
tratamento das doenças expandiu em várias frentes. As coberturas
não acompanhavam esse crescimento e os contratos ficavam
caducos.
O início foi muito conturbado porque
houve uma mudança na legislação. O mercado se acomodou. Contudo,
num período de crise econômica com cancelamento em massa dos planos
privados, forma-se o cenário ideal para começar a surgir esse tipo
de proposta, mas que guarda o mesmo vício, o mesmo problema na sua
origem. Não se fala em planilhas de custo, não se fala no lucro das
empresas. Sempre que se fala em programas “ditos populares”,
fala-se em reduzir a cobertura, vamos dar menos atenção à saúde e
aumentar a coparticipação.
Outro grande erro da proposta do
Ministério da Saúde é o de intensificar o ganho dos planos de saúde
no varejo e, quando chega a hora de atender os problemas de média e
alta complexidade, de colocar a mão no bolso, os planos de saúde
jogam a conta para o contribuinte pagar. E, para piorar, o maior
garoto-propaganda para plano de saúde popular é o SUS. Vende-se a
ideia de que um plano mais acessível livrará os usuários das longas
filas do SUS porque institucionalizou-se a não expansão do sistema
de saúde, principalmente na área hospitalar. Vai haver uma falsa
sensação, porque o plano popular é pensado para uma atenção básica,
e a atenção básica quem tem que promover, e já promove pelo
programa Saúde da Família, é o SUS.
Mas a regulamentação de planos de
saúde por esse viés só tem um caminho: o da judicialização.
Qualquer alteração com relação aos planos de saúde, o espaço legal
para conduzir o debate ouvindo todos os lados que são atingidos
pela regulamentação, principalmente o consumidor, é o parlamento.
Porque, se isso nascer de uma portaria ou de uma resolução da
Agência Nacional da Saúde, estará imediatamente judicializado no
primeiro episódio. Esse debate fora do parlamento não prospera.
Podemos melhorar a regra que existe
hoje? Com certeza, sim. É uma lei de 1998, o mercado pode ter
necessidade de algumas flexibilizações que precisam ser analisadas,
mas isso tem de ser feito dentro do Poder Legislativo, com amplo
debate. Até porque, quem vai pagar as contas no final será o
consumidor, que vai ter a falsa sensação de cobertura e, quando
precisar de um procedimento mais caro, ele não o terá.