Estatísticas epidemiológicas confirmam que 60% das mulheres que já engravidaram foram vítimas de algum tipo de violência doméstica por parceiro íntimo no decorrer da vida conjugal, e 20% destas sofreram violência psicológica e física grave durante a gravidez como, por exemplo, socos, queimaduras e ameaças envolvendo o uso de arma. Quando se trata de adolescentes grávidas, a situação se complica ainda mais. É o que aponta a pesquisa coordenada pela professora Dora Mariela Salcedo Barrientos, do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP.
O estudo foi realizado junto a 61 adolescentes grávidas cadastradas no Hospital Universitário (HU) da USP e que compareceram ao Pronto Atendimento de Obstetrícia durante três meses, de outubro a dezembro de 2012. As entrevistas foram gravadas e transcritas, garantindo o anonimato e o respeito à privacidade e à intimidade das jovens, oferecendo-lhes a liberdade de participar ou declinar desse processo no momento em que desejassem. Dentre os resultados identificados, pôde-se observar nos discursos das entrevistadas alta incidência de violência intrafamiliar em um momento de maior vulnerabilidade e suscetibilidade da adolescente.
De acordo com os dados coletados das 61 participantes, 36 já foram vítimas de violência intrafamiliar, isto é, que se passa ou se dá dentro do grupo familiar. Destas, 29 (47,54%) sofreram violência psicológica, 12 (20%) sofreram violência institucional, 5 (8%) foram vítimas de violência física, 4 (7%) foram vítimas de violência moral e 3 (5%) foram vítimas de violência sexual.
Problema de saúde pública
A violência intrafamiliar constitui um grave problema de saúde pública, uma vez que afeta profundamente a integridade física e psicológica das vítimas. O estudo aponta diversos sintomas e transtornos que podem aparecer em decorrência da violência intrafamiliar, por exemplo: doenças no aparelho digestivo e circulatório, dores e lesões musculares, desordens menstruais, ansiedade, depressão, suicídio, uso de entorpecentes, transtorno de estresse pós-traumático, lesões físicas, privações, entre outros. No que se refere à saúde reprodutiva, a violência contra a mulher tem sido associada a gestações indesejadas, dor pélvica crônica, doença inflamatória pélvica e maior incidência de doenças sexualmente transmissíveis.
O estudo ainda levantou o perfil das adolescentes entrevistadas: idade média de 17 anos; a maioria das jovens eram brancas ou pardas (95%), solteiras (90,1%); com nível de escolaridade adequado para a idade (54,1% – nível médio); procedentes do Estado de São Paulo; vivendo em moradias próprias (62,5%), com acesso a serviços básicos como água, luz, esgoto e coleta de lixo. A prevalência de violência entre as jovens que tinham condição precária na moradia foi maior do que entre aquelas com residência salubre. Para grande parte das famílias das adolescentes entrevistadas (79,6%), a renda per capita média foi de R$ 474,95, variando entre R$ 66,67 e R$ 1.550,00.
O trabalho coordenado pela professora Dora faz parte do Estudo da violência doméstica contra adolescentes grávidas atendidas na Região Oeste e Leste de São Paulo: Bases para intervenção, o qual integra o grupo de pesquisa “Mulher & Saúde: Violência doméstica no período gravídico-puerperal”, do Diretório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O estudo já recebeu o prêmio de melhor trabalho na categoria de contribuição estrangeira no XIII Congresso Latinoamericano de Ginecologia Infantil e da Adolescência e II Congresso Peruano de Ginecologia, Pediatria e de Adolescência, realizados no Peru, em setembro de 2013.